domingo, 8 de novembro de 2020

O belo e o bom

A primeira semana de Novembro já entrou no mausoléu do passado. Embalsamada, espera que a esqueçam. Vai demorar o seu tempo, mas chegará o dia em que dela só restarão pequenos vestígios. Aquilo que nos acontece, seja o que nos alegra ou o que nos dói, possui uma intensidade espúria. Fora do nosso sentimento, praticamente ninguém nota. Está um domingo volúvel. Ora chove, ora faz sol. Temo pelo Verão de S. Martinho. Não é que seja dado a feiras e romarias, mas esse Verão parece-me benévolo e abençoado, ao contrário do outro. As notícias do mundo cansam-me, as da humanidade ainda mais. Quanto às notícias de mim próprio, a essas censuro-as. Já basta o que basta. Uma aplicação acaba de me informar que esta semana não só atingi os pontos cardio recomendados, como ultrapassei bem essa marca. Nem sei como agradecer a todas estas coisas que tanto se interessam por mim, que me controlam a saúde e o que mais lhes aprouver. Há instantes os telhados húmidos resplandeciam sob a luz solar, agora, porém, as nuvens cobriram o sol e tudo se tornou mais baço. Do bar da esquina saiu o Esteves, aquele da tabacaria. Também ele está baço. Deve ser do tabaco. As palavras são seres pouco confiáveis. Escrevi tabacaria e tabaco, logo me apeteceu acender um cigarro, sorver o fumo lentamente, intoxicar-me com aquelas substâncias que não conduzindo ao inferno, hão-de levar ao hospital. Como é belo uma pessoa sentar-se numa varanda, olhar o horizonte, beber um copo de vinho e fumar um cigarro. E com isto desminto aqueles que dizem que o bom e o belo são a mesma coisa. O Esteves continua a fumar no passeio. Por ele passa alguém que não o cumprimenta. Depois, passa outra pessoa e eu ainda oiço um olá Esteves, como vai isso? Talvez eu ande a ouvir o que não devia. Será que terei por aí algum cigarro perdido?

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