Passei a manhã a fugir daquilo que tenho de fazer antes que este domingo se dê por finado. Qualquer pretexto me serviu e, quando não havia pretexto, inventava um ou dois, que logo me davam uma ocupação, a qual não era destituída de prazer. E isto traz-me à memória aquele poema de Fernando Pessoa que começa assim: Ai que prazer / Não cumprir um dever, /Ter um livro para ler / E não o fazer! / Ler é maçada, / Estudar é nada. / O sol doira / Sem literatura. Podemos imaginar que seja falso que o sol doire sem literatura, pois dizer que o sol doira já é literatura, uma narrativa minimalista, mas uma narrativa, e nós nunca saberemos se o sol continuará a doirar quando a literatura desaparecer. A verdade, contudo, é que o poema de Pessoa narra a essência da liberdade nesse não cumprir um dever. Coisa que contrariaria aquele filósofo nascido em Konigsberg e que via a essência da liberdade no cumprir do dever não por prazer, mas apenas por dever, por amor ao dever e por respeito à lei moral. Em mim, este infeliz narrador de uma gesta sem honra nem glória, sempre houve, desde o dia em que na inocência dos seis anos pisei o chão de uma escola, um conflito entre essas duas formas de conceber a liberdade. Nessa altura nem sabia que existia uma coisa chamada liberdade, pois até aquele dia era livre e, como no caso da saúde, ninguém precisa de saber o que é a liberdade quando é livre. Só os doentes querem saber o que é a doença, só os não-livres se preocupam com a liberdade. A partir daí, nem sei bem em que altura, descobri que estava dividido em dois, pois havia em mim duas liberdades que se combatiam com ferocidade. Aquela que insistia no ai que prazer não cumprir um dever, e a outra que me ordenava cumpri-lo por ser esse o meu dever e não por qualquer outra razão espúria que submetesse a minha razão a um qualquer imperativo hipotético. Talvez nada disto seja verdade, mas apenas uma manifestação de uma certa inclinação que há em mim para a hipérbole. Há quem se entregue à metáfora, ou à metonímia, ou à anáfora, ou à litotes. A mim coube-me a hipérbole. Por vezes, imagino-me capturado pela anáfora, e que todo o meu discurso contém, continuamente, a repetição de uma expressão, ai que prazer não cumprir um dever, ai que prazer ter um livro e não o ler, ai que prazer acordar para adormecer, ai que prazer parar para voltar a correr. De certa maneira, a anáfora, na sua ânsia de repetição, contém em si qualquer coisa de hiperbólico. Por isso, dar-me-á tanto prazer.
domingo, 12 de março de 2023
sábado, 11 de março de 2023
Um casamento em G
Quando nada ocorre, quando a mente é uma página em branco na qual nada se inscreve, quando a preguiça toma conta da rede neuronal, não há outro remédio senão recorrer à citação. Apesar de os linguistas afirmarem que com as poucas letras do alfabeto, o número insignificante, apesar de tudo, de regras gramaticais, e os milhares de palavras, ainda um número demasiado limitado, que as letras têm permitido criar, podemos construir um número infinito de frases e, provavelmente, um número infinito ainda maior – pois, os infinitos não são todos do mesmo tamanho – de textos, apesar deste optimismo linguístico, assevero, o mais plausível é que tudo o que se escreva e diga não passe de citação. Isto absolver-me-á de me entregar agora à tarefa de citar. Leia-se: Gallito está fotografado na minha sensibilidade, com Pavlowa e Massine… Gallito foi, efectivamente, um dos maiores bailarinos que em meus olhos dançaram… Em seus passos ouvia-se castanholar a Espanha. Ora, como me está a agradar a citação, informo que Espanha é seguida de um parágrafo, para depois o texto ser retomado assim: Quando o seu corpo, em desafio, relampejava nos olhos punhalescos do boi, sentia-se viver a raça na distância entre a fera e o matador… Gallito era um grito da tradição, um filho longínquo da Salomé que, à falta de cabeças de profetas, teve que dançar com cabeças de touros… Sempre se pode trocar esta citação de António Ferro por uma de Alexander Kluge: Quando duas pessoas se põem a discutir numa sala, são seis pessoas que ali estão sentadas. São também os pais que ali estão a discutir, disse um amigo psicólogo. Pode ser que sim, mas o problema de Gertie era que ela não era capaz de discutir, pelo menos com o seu actual namorado. Por isso, mesmo quando ela chegava a dizer alguma coisa, era sempre uma só pessoa a falar. Ora, o actual namorado de Gertie é Franz, embora eu imagine uma outra coisa. Suspeito que o seu verdadeiro namorado é o matador Gallito, que, cansado de dançar nos olhos dos toiros, cansado de estocadas finais, apenas olha para Gertie e, farto de multidões, não quer que os pais dele e os pais dela lhes venham estragar o dia ou a noite, pois aquela casa, onde um amor improvável se consuma, não é nenhuma arena. Creio que, juro, um dia destes, depois de uma chicuelina e de uma verónica, ao som de um paso-doble, Gallito pedirá Gertie em casamento. Será um casamento solar, ou em G, que, em certas notações musicais, designa aquilo que noutras é nomeado por Sol, se não estou enganado. Restaria apenas saber se será um casamento em Sol maior ou menor, mas como é regra nestes textos, não se pode saber tudo.
sexta-feira, 10 de março de 2023
Um mundo perfeito
Está concluído o primeiro terço de Março. O tempo desliza, entrega-se a uma volúpia sem nome, arrastando-nos com ele, sem nos dar a possibilidade da recusa. Os dias úteis da semana, tão cheios de inutilidades, também estão consumados. Vai ser um fim-de-semana agitado, com netos que o tempo, mais uma vez, faz crescer, roubando-os à infância. Elas já se afastarem, a passos largos, dessa primeira moradia, ele ainda por ali corre inconsciente de que é a sua casa mais fundamental. Enquanto a casa está tranquila deixo correr, pelas mãos de Daniel Barenboim, as Canções sem Palavras (Lieder ohne Worte), de Felix Mendelssohn, e leio Incendeia-se a desventurada Dido e pela cidade inteira vagueia, / desvairada, qual corça colhida por uma seta, / a quem pegou, desprevenida, no meio dos bosques de Creta, / o pastor que com seus dardos a perseguiu e nela deixou um ferro alado, sem o saber; ela, na fuga, atravessa bosques e barrancos / do Dicteu; aguenta, firme, no flanco a seta fatal. E neste instante penso não apenas que este é o melhor dos mundos possíveis, mas é um mundo perfeito, agora que a tarde se aprestar para se entregar nos braços do crepúsculo, que, ao cingi-la com suavidade, a adormecerá, entregando-a às sombras do reino da noite. Fecho os olhos antes que da Flauta Mágica chegue a Rainha da Noite com a vingança do inferno a arder no coração, e, incendiada, estrague o mundo que mesmo agora, apesar de pensar nessa harpia, me parece tão perfeito.
quinta-feira, 9 de março de 2023
Da visão
Não são poucas as vezes que tenho de me obrigar à contenção e não me deixar arrastar por um desejo insensato de comprar um livro que já possuo, mas que agora se apresenta com uma outra capa. Por norma, resisto, mas esta inclinação não deixa de colocar um problema interessante. Imaginemos que de uma certa obra é feita uma nova edição, sem que o texto sofra uma única alteração, mas o design da capa muda. Será ainda a mesma obra? O design gráfico que opera em produtos como livros, discos, CD, DVD, etc., é eficaz porque passa a fazer parte da obra. Poder-se-á dizer que o design presente nas capas parasita a obra que encapa, mas é duvidoso o que é, nesse processo, parasitado e o que é parasitário. Se se observar com atenção a relação que se estabelece com um livro, descobre-se que é necessário um esforço para separar o conteúdo da obra da sua capa, do seu design gráfico. Será por isso que mesmo os e-books continuam a ostentar a capa, assim como a música digital, tanto a vendida como a alugada em plataformas, não dispensa a exibição da capa do disco ou CD físicos. Tudo isto revela o peso que a visão tem nas nossas escolhas e como a visão poder ser o guia que abre o caminho para outras experienciais sensoriais ou mesmo racionais. Aristóteles já tinha percebido a sua importância. O livro primeiro (alfa) de A Metafísica começa com a seguinte declaração: Todos os homens têm naturalmente o desejo de saber. O que o testemunha é o prazer que nos causam as percepções dos nossos sentidos. Agradam-nos por elas mesmas, independentemente da sua utilidade, sobretudo as da visão. Não se pense que o discípulo de Platão não oferece razões para este louvor à visão: É que ela nos permite, melhores que todos os outros (sentidos), conhecer os objectos, e nos revela um grande número de diferenças. Sendo assim, o prazer de ver que as capas exploram é um modo de intensificar o prazer de ouvir ou o prazer de ler. Curioso, para além da questão das capas, é o início da obra de Aristóteles, daquela que trata dos assuntos mais abstractos, daqueles que estão para além daquilo que é físico ou natural. Começa com uma afirmação de que o desejo de saber faz parte da natureza de todos os homens e passa, de imediato, a uma apologia do prazer proporcionado pelos sentidos. Será por isso que muitas vezes sou tentado a comprar um livro que já tenho apenas pelo facto de se apresentar numa nova capa que os olhos não deixam de desejar.
quarta-feira, 8 de março de 2023
Do disfarce
Logo no início do livro, trata-se de Lacrimae Rerum, Slavoj Žižek, num texto sobre o cineasta polaco Krzysztof Kieślowski, refere o fosso bem visível entre uma realidade social cinzenta e triste e a imagem optimista e resplandecente que impregnava os media oficiais sujeitos a uma censura rígida. Não são poucas as vezes que penso, ao deparar-me com uma pessoa transbordante de optimismo e de esplendor, que qualquer coisa se esconderá por detrás daquela aparência. Nunca sei, porém, se estou perante um disfarce para tentar evitar que olhos estranhos penetrem no segredo de uma existência ou se aquela representação é uma forma de se proteger contra a crueza da vida. Talvez as duas coisas. É possível que, no olhar que tenho das coisas e das pessoas, seja influenciado pela doutrina aristotélica do meio termo. A virtude residirá no meio entre o excesso e a deficiência, no sentido de falta. A fanfarronice é a máscara ostentada pelo cobarde, a cobardia é a deficiência no âmbito da coragem, que não se suporta a si mesmo. A exuberância cintilante do optimista é a máscara de uma vida triste e amargurada, marcada pelo pessimismo. A descrição de Žižek refere-se a sociedades governadas autoritariamente, mas o que poderemos nós pensar de sociedades livres? Nelas não existe uma censura que imponha uma alegria oficial para disfarçar a tristeza real. Todavia, tudo aquilo que podemos colocar sob o epíteto de sociedade do espectáculo pretenderá esconder o quê? Que deficiência, ao vivermos e alimentarmos esse tipo de sociedade, pretendemos ocultar? É plausível que o espectáculo seja o disfarce do vazio que são as vidas dos indivíduos, de todos aqueles que não sabem (e haverá alguém que saiba?) que o lugar do homem não é nem a falta nem a plenitude, mas a mera suficiência, um medíocre qualificativo, mas que está de acordo com a natureza de seres finitos e limitados. Talvez os elementos atmosféricos me tenham impedido de fazer uma meditação menos esotérica. Quando o céu está carregado de chumbo e a ramagem das árvores dança sob o efeito da música impiedosa do vento, o pensamento tende a espelhar aquilo que no mundo se manifesta. Não faltam astrólogos para predizer o ânimo das pessoas de acordo com a conjugação dos astros, melhor fora que se dedicassem à meteorologia ou, para ser mais preciso, a uma psicometeorologia.
terça-feira, 7 de março de 2023
As imperfeições de um cavaleiro andante
segunda-feira, 6 de março de 2023
Universos em expansão
Voltar a um hábito já com algum tempo. Consultar a aplicação que fornece os dados meteorológicos e confirmar aquilo que os olhos vêem. Via chover, mas só tive a certeza de que assim era quando a aplicação do telemóvel me confirmou que, neste lugar, estava a chover. Uma coisa são os nossos sentidos, falíveis e sempre inclinados à ilusão, outra é o mundo dos algoritmos digitais que fornece informação que, pela sua natureza, não estará presa às fantasias das sensações. No friso das orquídeas, há três floridas. Uma, porém, não deve ser tida neste rol, pois foi comprada há duas ou três semanas e já vinha florida. Uma floração branca e pura. A amarela está exuberante e uma de cor fúcsia, se é que se deve assim denominar aquela cor, também iniciou o processo de floração. Uma rápida inspecção permitiu perceber que também outras se aprestam para chegar ao grande momento. A minha relação com as orquídeas é puramente contemplativa, sou um voyeur e não um cultivador, tão pouco um jardineiro. Imagino que deveria haver uma aplicação para confirmar se as orquídeas que vejo floridas o estão de facto, e não é apenas uma presunção minha, uma visão delirante, a obscura ânsia pela anunciação da Primavera. Há pouco, ao ler um poema – melhor, a tradução de um poema – de Rainer Maria Rilke, deparei-me com um mundo que nunca foi o meu. Com os mundos do passado acontece o mesmo do que com as galáxias. Quanto mais longe estão de nós, mais depressa se afastam. O afastamento de nós do mundo de Rilke é menos veloz do que do de Goethe, e o deste menos apressado do que o de Homero. Talvez, por analogia, o mesmo possa acontecer com a nossa vida. O afastamento da minha infância é muito mais rápido do que o afastamento dos meus quarenta anos. Para a minha escala, a infância corre desvairada para trás, sempre cada vez mais depressa, infatigável. Eu vejo-a afastar-se e sinto uma leve tristeza por ela não me poder suportar. Imagino que também os mundos poéticos de outrora não suportem os actuais. Isto significa que o universo poético está em expansão. Significa também outra coisa, o universo de cada um também se expande até à hora em que colapsa devido à velocidade de afastamento de cada época em relação ao presente, sendo a morte a impossibilidade de manter a concatenação dos tempos que nos foram dados a viver. Isto, se nenhuma aplicação o vier desdizer.
domingo, 5 de março de 2023
Macaquices
Entre radicais e terminações, a minha neta mais velha vai compondo o condicional do verbo être. O francês tornou-se um objecto estranho na aprendizagem das novas gerações. Durante muito tempo, o francês e o que se passava em França exerciam uma poderosa influência sobre a cultura nacional, agora parece que só existe o mundo anglo-saxónico. De tal maneira que, muitas vezes, se ouve pronunciar palavras francesas como se fossem inglesas. Isto é uma espécie de traição às nossas origens. Afonso Henriques era descendente de franceses, somos uma espécie de filhos de França. Agora, porém, macaqueamos os anglo-saxónicos, e as nossas elites tentam esquecer que somos um povo com uma língua latina, como se isso fosse uma vergonha. Daí, o crescimento exponencial do uso de palavras inglesas. Nas áreas da economia e da gestão, isso tornou-se uma praga, como se esse uso mágico nos tornasse um povo de grandes empresários e de gestores de alta qualidade. Ora, o que acontece em Portugal é um fenómeno curiosíssimo. Quando uma palavra se torna o que agora se chama um mantra, então podemos ter a certeza que aquilo que a palavra denota não existe, nem ninguém está empenhado em fazer que exista, mas toda a gente está comprometida em fingir que existe. Somos um povo de fingidores, o mesmo será dizer que somos um povo de poetas, pois um poeta é um fingidor. E aqui retorno à trivialidade que me habita, o que está de acordo com este domingo frio. O verbo être lá se vai declinando nos vários tempos e modos. Agora, passou para o imperfeito do faire. Ora, se há uma coisa que me apetece é mesmo não fazer nada.
sábado, 4 de março de 2023
O cine-pipoca e uma teoria do septo
Pela primeira vez, desde que começou a pandemia, fui ao cinema. Um filme inglês, Viver. Ao meu lado sentou-se uma rapariga – ou seria uma jovem mulher, imagino-a na casa dos vinte – que pertence a um mundo estranho, demasiado estranho. Passou o filme a comer pipocas. Ouvia-a mexer naquelas coisas e a mastigá-las. Por vezes, apertava o plástico de uma garrafa de água e este crepitava, tudo ao meu lado crepitava. Só ia a salas de cinema onde não se vendiam pipocas. Por norma, no Monumental, onde passava o cinema europeu. As salas do grupo Medeia fecharam todas. Fui às Amoreiras, onde o cine-pipoca parece ser dominante. Saído do filme, e com a desculpa de ter de comprar um livro para uma das netas, deixei-me cair em tentação. E a tentação traduziu-se em Professor Unrat ou o Fim de um Tirano, de Heinrich Mann, o irmão mais velho de Thomas Mann, O Outro Nome – Septologia I – II, de Jon Fosse, Autobiografia de uma Mulher Romântica, de Natália Nunes, e O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar, de Yukio Mishima. Continuo a acumular livros. É uma patologia, ainda por cima leio mais em formato digital do que em papel. O Word está a ficar sofisticado. Sublinhou a verde a expressão ainda por cima. Fui ver o que ele queria. A mensagem dizia: Locução própria de linguagem informal. Pondere a utilização de uma expressão alternativa. Quem lhe terá dito que estes textos são formais? Não apenas são informais, como são informes, mas a sua falta de forma não chega à criatividade da tradutora do livro de Jon Fosse. Um ciclo de sete romances não recorre, para designação, em português, do conjunto, ao elemento de composição septo, mas hepta. Uma heptalogia, não uma septologia, que me lembrou de imediato uma teoria sobre o septo, talvez o nasal. Isto, porém, pode ser apenas mais um sinal de que o mundo mudou de tal maneira que sete e septo, que em latim significava parede, tapume, sejam da mesma família. Também é possível que o romance de Fosse seja uma teoria das paredes ou dos tapumes. Nunca se sabe.
sexta-feira, 3 de março de 2023
Louvor da banalidade
Chegou o fim de semana. Nada melhor do que uma banalidade para começar. Ora, apesar da má fama, é aquela que torna a vida possível. Ninguém poderia viver continuamente num estado extraordinário, e se isso acontecesse, esse estado tornar-se-ia banal. A banalidade é a medida dos homens. Pelo menos, é a minha. É possível pensar uma arte da banalidade, uma forma de viver em que a existência trivial se torne um exercício artístico, mas de uma arte expectável, de onde foi banida a surpresa. Imaginemos o chamado bom gosto burguês. Ora, essa banalidade bem-apessoada tornou-se o bombo da festa dos artistas, desde Baudelaire e Rimbaud até às diversas vanguardas artísticas que o século XX viu crescer como cogumelos numa floresta. Em Portugal, deu origem ao Manifesto Anti-Dantas, por exemplo. Agora que a pulsão vanguardista passou de moda, é possível, sem correr o risco de passar por tolo, viver banalmente, cultivando os canteiros da sua trivialidade. Numa vida vulgar, podemos assumir a própria frivolidade e não ver nisso o fim-de-mundo ou motivo para ser denunciado na praça pública. Depois, ao contrário das vidas extraordinárias nas quais só acontecem coisas excepcionais, a vida banal pode, por vezes, ser surpreendida por um acontecimento singular, digno de nota e, por ser tão raro, motivo de desmedido prazer. Assim, entro banalmente na insignificância do fim-de-semana e deixo passar pela minha consciência toda a futilidade que me anima.
quinta-feira, 2 de março de 2023
O tempo
O tempo, esse lençol que se estende sobre a terra e se fende, e se esburaca, e se rasga sem parar, numa ânsia, sempre frustrada, de encontrar o futuro que o espera, segundo diz. Esse é o trabalho de Sísifo a que o tempo foi condenado. Atirar-se sempre para diante, e nunca, nunca sair de onde está. O tempo é imóvel, a cada momento está no presente e por mais que corra, que acelere, nunca deixará de estar na casa da partida. O tempo é uma esfinge. Imóvel, as coisas passam perante ele, e ele vê-as passar e, com o seu olhar encantatório, ilude cada uma, fazendo-a pensar que envelhece porque ele, o deus devorador, por ela passa. O tempo é uma mentira. Não, o tempo é um mentiroso. Diz que passa, mas não passa, está preso ao presente como Prometeu estava agrilhoado ao rochedo. O presento é o rochedo onde o tempo foi agrilhoada, para que uma águia, dia após dia, lhe coma o fígado. As nossas rugas são a dor do tempo, a dor do condenado a estar eternamente onde está, a dor do deus devorado pela águia da eternidade. Depois de escrever o que escrevi, pensei que alguma coisa que comi me perturbara a razão, e não haverá nada de mais vergonhoso do que alguém, carregado de dias, deixar a sua razão perturbar-se. Retracto-me. O tempo existe, corre, fende as rochas e derruba as florestas, está cada vez mais próximo do futuro e mais longe do passado.
quarta-feira, 1 de março de 2023
Um modo de cismar
Olha-se o céu e percebe-se que também o Inverno é finito. No declínio da tarde, pressente-se a morte da estação fria. Na linha do horizonte, atrevida, a Primavera assoma, faz trejeitos e acena para a multidão de basbaques que a aguarda. Antes de chegar, suspeita-se que é bela como uma estrela de cinema, daquelas que todos querem ver, não porque represente bem, mas apenas porque foi tocada pela maior das graças, a da beleza. Depois, haverá de envelhecer, criar rugas de calor, num rosto que se desfigura com o passar das horas. A repetição do drama das estações, porém, nunca cansa, pois, ao nascermos, foi-nos dada uma inclinação para querer ver sempre um novo ciclo, para nunca nos cansarmos com a repetição de cenas e quadros. Pelo contrário, com o passar do tempo criamos um ciclo ideal, nunca se sabe quando e como, e, ano após ano, esperamos que ele se repita exactamente como a nossa fantasia o desenhou. A dissonância e a novidade dentro de cada estação causam-nos um profundo desagrado, como se alguma coisa no mundo saísse fora dos eixos e não houvesse quem a fizesse voltar ao lugar. Isto são pensamentos de quem envelheceu, de quem, quando era novo, não pensava nas estações, nem nos ciclos, nem se incomodava com a irregularidade do que acontecia. É uma forma de cismar ao sol nos dias frios de Inverno, de se entregar ao silêncio, enquanto um gato atravessa a rua e um sino toca numa memória muito antiga.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
Um longo adeus
Fevereiro despede-se com frio e sol, numa cintilação de cristal, de gelo incendiado por uma luz quase primaveril. Nesta hora, em que o resplendor do sol começa a declinar, podia citar o começo de uma pequena narrativa modernista: Conheci Madame Film em Roma, no hall do Excelsior, à hora do chá, essa hora que eu cito frequentemente, porque é a minha hora, a hora em que eu tomo sol aos golos, a hora em que o sol morre nos meus labios… Eu não tomo chicaras de chá, tomo chicaras de sol… Mantive a grafia original, mas o texto não deixa de reverberar. E o autor? Bem, trata-se de António Ferro, o editor de Orpheu, que imolou o talento literário na pira do jornalismo e da política. O mesmo terá acontecido a Platão que abandonou a poesia trágica pela Filosofia, mas aí apenas trocou um género literário por outro, que ainda não existia e que ele acabou por inventar. No lugar da tragédia, temos o diálogo lógico, uma ficcionalização do pensamento. Queria eu despedir-me de Fevereiro e logo umas visitas inoportunas se intrometeram na corrente de consciência. A vida é cheia de intromissões e é preciso uma infinita constância para perseverar no rumo que intromissões e intrometidos tentam destruir. Enquanto a noite se apresta para tomar de assalto a cidadela do dia e uns adolescentes gritam a sua adolescência a plenos pulmões, antes de entrarem na caverna do instituto de línguas, oiço Dark/Light 1, uma pequena peça de Meredith Monk. Deixo-me envolver na voz da cantora e olho o horizonte à espera da hora do crepúsculo, para dizer um longo adeus a Fevereiro.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
Cibernética e vida no campo
Quem sofre do vício de comprar livros sabe, um saber de experiência feito, que parte significativa do que compra não será lido. Está aí, ao alcance da mão, e caso seja necessário sabe-se onde encontrar. Descobri há pouco um livro nessas condições. Tinha-o esquecido e no acaso improvável de alguém me perguntar se o conhecia, juraria que jamais ouvira falar dele. Trata-se de La Conscience des Machines – Une métaphysique de la cybernétique, suivi de «Cognition et Volition», do filósofo alemão Gothard Günther (1900-1984). Os motivos que me levaram à compra dissolveram-se, talvez tenha julgado que ali seria dito alguma coisa de importante sobre a essência do nosso tempo, se é que os tempos têm essência, se não são apenas mera existência. Resgatado do esquecimento a que tinha sido votado. Ao lado dele, estavam, nas mesmas condições, dois outros ensaios, The Posthuman, de Rosi Braidotti, e Homo Labyrinthus – Humanisme, Antihumanisme, Posthumanisme, de Frédéric Neyrat. Tudo indica que, a certa altura, alguma coisa me preocupou, mas que o peso da realidade dissolveu o tempo que queria dedicar à preocupação, tendo os livros adormecido até terem sido redescobertos. Agora, sou obrigado a ponderar se a preocupação de então continua a poder ser preocupante. Demorei-me, depois da redescoberta, a olhar as paisagens de João Hogan reproduzidas na Electra do Outono passado. Ali, não se encontra nada de anti-humano ou de pós-humano, pois o humano foi varrido delas. São lugares inóspitos, muito diferentes das paisagens posteriores de João Queirós, onde a ausência do humano não gera a mesma sensação de inabitabilidade, mas traz um sentimento de plenitude da natureza. Num dos textos da Electra, da autoria de Jeff Malpas, é dito o seguinte: Regressar ao campo é reencontrar o sentimento de estarmos no sítio de onde viemos, um sentimento que não se esgota nem é plenamente evidente da cidade por si só. Isto recordou-me uma série da minha infância – ou será da pós-infância? – Viver no Campo. Talvez Malpas tenha também visto a mesma série e, na desavença entre marido e mulher acerca da bondade de viver no campo, tenha tomado o partido do marido. Nunca é demais assinalar que nunca se sabe os motivos que nos levam a pensar aquilo que pensamos.
domingo, 26 de fevereiro de 2023
A ordem puritana
Tendo descoberto dois programas de Inteligência Artificial que me permitiam o uso gratuito, entretive-me, durante parte da manhã, a escrever pequenos textos que eram transformados em imagens. Um dos programas, ainda na fase de lançamento, tem já uma vincada personalidade censória. Vincada, pois o texto que lá coloquei não tinha nada de ofensivo seja para quem for, tão pouco palavras que o uso rejeitou como impróprias na conversação social. Uma mensagem informou-me que o texto continha palavras que poderiam gerar imagens inadequadas. Não descobri que imagens seriam essas, mas o pior é que nem sequer discerni quais as palavras que incendiaram, na mente artificial, pensamentos de tal modo escabrosos que ela optou pela censura. Sem se dar por isso, estamos a entrar numa nova era puritana. Apesar dos neopuritanos se encontrarem divididos em grupos inimigos, há uma coisa em que estão todos de acordo, a necessidade e o direito de censurar. Devido à inimizade reinante, podemos prever, sem recurso à profecia ou mesmo à Inteligência Artificial, que o futuro nos trará guerras de censores. Isto não deixa de ser interessante, pois o discurso é tratado como um animal selvagem que há que domesticar. Neste caso, o recuso à Inteligência Artificial parece promissor, pois esta consegue ler o censurável naquilo onde qualquer leitor exímio – embora, humano – jamais o conseguiria encontrar, por perito que fosse na arte hermenêutica. A poesia é o principal inimigo destas hordas bárbaras de puritanos, pois é o lugar onde a insubordinação das palavras gera o selvagem no discurso. Aquilo que era visto como a redenção da linguagem é, agora, tido como uma ameaça à ordem puritana que esbraceja por todo o lado.
sábado, 25 de fevereiro de 2023
Da memória e da nuvem
Acabei de falar com uma sobrinha. Faz hoje anos. Valeu-me a aplicação do telemóvel, que tem a amabilidade de me avisar. Aliás, começa a fazê-lo uma semana antes. Não fora isso, ter-me-ia passado a efeméride. Antigamente, as pessoas usavam agendas, onde colocavam, nos respectivos dias, os acontecimentos que deveriam recordar. Nunca tive agendas. Melhor, tive várias, mas nunca as usei. Por norma, ficavam em branco e esquecidas. As aplicações do telemóvel são coisas mais eficazes para a degradação da memória. Há uns tempos mudei a palavra-passe de uma conta de email que uso na vida real. Como seria de esperar, quando queria aceder à conta, de modo automático, colocava a velha palavra-passe, era-me negado o acesso, mas plataforma informava-me que tinha alterado a senha há x dias. Isso começou a despertar em mim uma curiosidade. Qual seria o dia em que já não me enganaria? Quanto tempo precisava para consolidar na espontaneidade da escrita a nova chave de acesso? Pensei que trinta dias era um prazo razoável para a velha memória ser preterida pela nova. Há pouco, ao tentar aceder à conta, recebo a mensagem de que aquela senha foi alterada há seis meses. Esta questão não é de pouca importância, pois está ligada à natureza dos hábitos. Aristóteles afirmava que estes eram uma segunda natureza, o que significaria mais ou menos que aquilo que resultou de uma escolha ou decisão se tornou numa necessidade. Quanto tempo demorará a trocar uma necessidade por outra? Tem estado um sábado soturno, pouco luminoso, com chuva fria. Não é dia propício para escrever seja o que for. Porém, sempre se pode copiar qualquer coisa de alguém que tenha estado mais inspirado. Numa obra de 1981, com o estranho nome de Introdução à Filosofia, o poeta Fernando Echevarría começa o primeiro soneto do Compêndio de Antropologia com a seguinte quadra: Na memória de Deus se continua / a centelha que fomos de repente. / A nossa sombra segue sendo sua / na suspensão de si que nos consente. Talvez, e isto é uma mera hipótese, possamos recuperar o que perdemos da nossa memória nessa memória que retém a centelha que fomos de repente. O que seria uma forma, usando a linguagem informática, de recorrer à nuvem, embora Deus não seja uma nuvem, mas O que se esconde por detrás da nuvem. O que nos leva a suspeitar que as nuvens informáticas esconderão qualquer outra coisa, talvez um deus virtual.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023
Feridas
Os dias crescem e as noites minguam. Depois, tudo se inverterá, os dias reduzir-se-ão e as noites haverão de se dilatar. E depois? Bem, depois sempre descobrimos que o equilíbrio na natureza é feito de desequilíbrios. Podemos pensar que o justo seria dias e noites serem sempre iguais. A natureza tem outro critério. A igualdade entre dias e noites nasce do somatório das desigualdades que existem entre ambas. No lugar da constância temos uma lei da compensação. Isto funciona nas realidades cíclicas, e durante muito tempo também os homens pensaram que a sua vida se inscrevia nessas realidades. Os ciclos festivos, com os seus rituais, ordenavam a vida desse modo, o que dava a ilusão de eternidade. O senhor Sigmund Freud, num momento inspirado, descreve a história do homem moderno a partir de três feridas narcísicas. A primeira, vem com Copérnico e a descoberta de que afinal não vivemos no centro do universo. A segunda, trazida por Darwin, coloca a nossa espécie como uma entre muitas outras. O que ela é não resulta de qualquer eleição, mas da mera evolução adaptativa ao meio. A terceira ferida é descoberta do próprio Freud. Ao sermos sobredeterminados pelo inconsciente nem sequer somos senhores de nós próprios. Por interessantes e dramáticas que sejam esta feridas, a única ferida real, a chaga verdadeiramente viva que nos atormenta, é a descoberta de que não somos seres cíclicos, mas entidades lineares que percorrem uma linha recta, por sinuosa que pareça, entre o nascimento e a morte. O que nos cabe não é a eternidade, mas o tempo, e um tempo sempre demasiado curto. A tomada de consciência plena do que é ter uma natureza histórica, um processo tardio na nossa espécie, é uma ferida de tal dimensão que ao pé dela as feridas provocadas pelas descobertas de Copérnico, Darwin e de Freud parecem fantasias de crianças. Para a ferida de se ser temporal não há constância no devir nem lei da compensação que a cure. E é assim, com estas meditações sem nexo, que entro naquela parte do ciclo semanal que tem por centro os benévolos dias da sagrada inutilidade.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023
Apocrifia e falácias
Uma visita à pasta onde guardo estes textos recordou-me que tinha separado o conjunto de textos escritos durante os tempos mais iniciais da pandemia, entre 1 de Março e 20 de Junho de 2020, e tinha-lhe dado um título curioso: E aquilo que fatiga o lutador coroa o vencedor – diário da pandemia. Ora, este título, excluindo a indicação diário da pandemia, retirei-o de uma passagem de uma obra apócrifa de Bernardo de Claraval, também conhecido por S. Bernardo. A obra em causa ostenta o título Traité de la Maison Intérieure ou de l’édification de la Conscience. Segundo li, apesar de surgir como sendo do monge cisterciense, nada no estilo e na organização, um pouco caótica, indica que seja dele. Por que razão li, em parte, a obra, não me recordo e dela só me ficou a frase que utilizei como título do conjunto de textos dos tempos de pandemia. Se à obra não foi reconhecida autenticidade, será que cada uma das suas frases será também inautêntica? Afirmá-lo seria cair na típica falácia da divisão, que consiste em atribuir às partes uma propriedade do todo. Portanto, poderemos considerar a obra apócrifa, mas não a frase que dela extraí. Isto daria um resultado interessante, a obra não seria da autoria do monge de Cister, mas as frases que a compõem poderiam ser, o que provaria que uma obra escrita é mais do que as frases com que ela foi tecida. Ou então, nem sempre a falácia da divisão é uma falácia. Esta quinta-feira não me parece propícia para escrever. Termino por aqui.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023
Cumplicidades e suplícios
De um momento para o outro, sem se saber como, uma pessoa torna-se cúmplice. Ora, como se sabe, tão ladrão é o que vai à vinha como aquele que fica de fora. O pior é que nem sequer fiquei de fora à espera, mas fui mesmo à vinha. No post de ontem, sem ter dado por isso, escrevi faturas, em vez de facturas. Já coloquei a pobre consoante muda c no sítio de onde a banira. A perseguição às consoantes mudas infringe todos os princípios de não discriminação que existem. Por que razão haveremos de aceitar esse ataque às consoantes só pelo facto de terem emudecido. Ora, elas não nasceram mudas, foram perdendo a voz e é possível que exista quem ainda pronuncie, talvez de modo muito leve, o c que está em qualquer factura. Aliás, se pronunciamos o c em facto, por que razão não o haveremos de fazer em factura? Não se pense todavia, que este narrador é um militante da causa anti-AO 90. Não é militante de coisa nenhuma, nem sequer um rebelde sem causa. O dia começou sorumbático, mas agora recuperou o ânimo e apresenta uma face risonha e ensolarada. Também a cidade recuperou do desânimo carnavalesco que a atingiu ontem. Hoje comporta-se como se não fosse Quarta-Feira de Cinzas, com as gentes entregues às suas ocupações quotidianas, mesmo aquelas que estão desocupadas. A desocupação é uma actividade intensa, pois não goza da possibilidade de distracção que têm as pessoas ocupadas, pois estas sempre se distraem com as suas ocupações. Ora, estar sempre atento é uma tortura digna da mitologia grega, como aquelas que foram impostas a Sísifo, a Tântalo e a Prometeu. Fora este narrador grego e tivesse vivido há mais de três mil anos e criaria um mito em que um herói sofreria o suplício de estar constantemente atento, apesar de continuamente desocupado. Nasci tarde e fora do lugar, é o que dá estas desatenções da realidade.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
Descrições
Ainda não dei por hoje ser dia de Carnaval. Espreitei para a avenida, para as ruas circundantes, mas nada de foliões, nenhum mascarado, ninguém a desfilar ao ritmo do samba. As pessoas têm uma cara de quarta-feira de cinzas e parecem ter antecipado a Quaresma, mesmo que já não saibam aquilo que ela significa. Certamente, dispensarão jejuns e abstinências, mas não deixarão de ter um ar compungido. Não por inclinação religiosa, mas para estarem de acordo com estes dias cinzentos e melancólicos. Consta que as temperaturas vão descer e, uma vez por outra, haverá chuva, caso as nuvens estejam para aí viradas. A escola aqui ao lado está vazia. As árvores do pequeno bosque que a ornamenta são agora senhoras do espaço, que parece assim mais belo. As acácias da praceta estão dramaticamente despidas, ainda faltará tempo para que se comecem a cobrir de uma penugem verde. Não, não as árvores não têm penugem, coisa de animais, mas folhagem. Seja, as acácias apenas ostentam os ramos nus e nenhum indício de que se revestirão em breve de uma belo vestido verde. Agora, um cão começou a ladrar, logo se calou, o silêncio caiu sobre as ruas, mas já uma mãe e um filho elevam as vozes para se fazerem ouvir, enquanto ele desliza no escorrega, e ela pensa noutra coisa, no rumor do coração, no pulsar do sangue, nos dias de claridade em que o Sul a espera, oferecendo-lhe uma água meridional para refrescar o corpo tomado pela cintilação do fogo. Podia ir desfilar pelas ruas, mas vou registar as facturas na plataforma das finanças, melhor, numa aplicação do telemóvel, antes que o prazo acabe, pois os prazos tendem a acabar sempre muito rapidamente.