quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Chove

Quando saí da escola, já a noite tinha caído. Não que fosse tarde, mas porque os dias, vergados aos decretos da astronomia, resolveram minguar. Chovia. E não há nada como a chuva para lavar as almas. Almas são coisas que se conspurcam com muita facilidade. E não falo desses pequenos pecados que levam as pessoas, ainda vivas, às prisões, e aos infernos, se a morte as leva. Pecar contra o espírito, isso sim, é grave. E haverá maior pecado contra o espírito do que tentar ensinar metafísica a adolescentes? Talvez a ética nos prescreva o dever de nos abstermos de tal desígnio. Hoje acordei voltado para as incompatibilidades. Mas, como se sabe, a carne é fraca e precisa de se ocupar com alguma coisa ociosa. Saí do edifício e, no caminho para o carro, senti cada pingo de chuva que caiu sobre mim. A metafísica ficava lá para trás e pensei, arrastado por um lugar comum: comam chocolates, comam! Olhem que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. E assim de alma lavada, como se tivesse acabado de me confessar, rasguei o veludo negro da noite e cheguei, sem estados de alma nem inquietações, a casa. Chove e isso, por agora, basta.