sábado, 4 de junho de 2022

Contra o papel

Vejo a informação de que ler um livro em formato digital é três vezes menos danoso para o ambiente do que fazê-lo em papel. Há muito que sou um entusiasta dos eReaders. Para vergonha minha, tenho três. As razões para isso – para além do meu desvario – são defensáveis, mas não vou argui-las por aqui. Há pessoas que dizem que livros são em papel, um livro digital não é um livro. É como se no início da imprensa alguém dissesse: livros são em pergaminho. Em papel não são livros. Como tenho prazer em andar com um rolo debaixo do braço e sentir nos dedos a rugosidade e no nariz o odor do pergaminho, só leio livros nesse suporte. Ora, como o pergaminho desapareceu e os livros continuaram, também é expectável que o papel desapareça e os livros continuem. As árvores – e por consequência as florestas – agradecerão comovidas. Há, contudo, razões económicas, para além das ecológicas. Imagine que tem disponíveis todos os clássicos – e não clássicos – que caíram no domínio público. Mesmo os livros que têm direitos de autor são mais baratos em formato digital do que em papel. Depois, há uma outra vantagem. Os livros digitais não necessitam de estantes, nem se empilham no espaço, em caso de falta de estantes. Por fim, uma vantagem não despicienda, quando o proprietário dos livros morrer, os descendentes não têm de se perguntar: o que vamos fazer com estes montes de papel? Toda esta história apologética – se não mesmo catequética – veio na sequência de ter estado a descarregar de um site francês uma série de romances caídos no domínio público. Entre eles estão dois romances italianos de Italo Svevo, La Conscience de Zeno e Senilità, ambos em francês. Por acaso, possuo-os em papel, na tradução portuguesa, mas estou a desaprender a ler em papel.  Por aqui onde estou, está sol, mas a temperatura não ultrapassará os 22 graus. Seria uma óptima tarde de leitura, caso não houvesse uma festa de aniversário. O aniversariante – entrado agora na denominação de septuagenário – merece a festa. Além disso, as minhas netas estão a chegar e quero estar com elas e não com a consciência de Zeno, na sua rocambolesca psicanálise.

2 comentários:

  1. «os descendentes não têm de se perguntar: o que vamos fazer com estes montes de papel?»

    1. A noção de transmissão é para deitar para o lixo? Eu leio, o meu filho isso é lá com ele. A minha biblioteca reduzida ao puro hedonismo.

    2. Quando faltar a electricidade, quando o aparelho der o berro, quando o software "obsoletar"?

    3. Consta que a norma é um aparelhinho novo, um para cada tipo, todos os 18 meses. Presume-se que o leitor digital não vai abdicar de um supercomputador último grito para jogar e para ver a netflix. Quanto custa fabricar esses brinquedos : em emissões, em metais, em água, em poluição, etc.?

    4. O "digital" já ultrapassou a aviação civil em emissões de CO2.

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    1. (1) Hoje em dia, muita gente que herda dos pais uma biblioteca não sabe o que fazer com ela. Não lêem ou não têm espaço para ela. Tentam dá-la, por vezes, a instituições públicas (bibliotecas, por exemplo), mas, pelo que sei, muitas vezes não conseguem. Também há quem as venda ao desbarato aos alfarrabistas e estes põem os livros no mercado.
      (2) Quanto à obsolescência dos eReaders, não me parece necessária essa rotação de 18 meses. Tenho um Kindle há oito anos e continua em boa forma, sem necessidade de substituição. Muito provavelmente, o saldo entre aquilo que é necessário para produzir um eReader e os ebooks e aquilo que é necessário para produzir e distribuir os livros em papel será, ambientalmente falando, favorável ao digital.
      (3) Quando faltar a electricidade, continua a existir o papel. Contudo, tanto podemos imaginar a falta de electricidade, como uma crise no papel. E caso exista uma crise sistémica na energia, as indústrias serão todas afectadas, incluindo as do papel e da produção de livros.
      (4) Julgo que a digitalização vai ser o futuro - caso exista um futuro - e isso começará mesmo nos sistemas de ensino com a desmaterialização dos manuais escolares e até das provas de avaliação, exames, etc. É também plausível que os eReaders evoluam e se tornem cada vez mais eficientes, do ponto de vista ambiental e do ponto de vista de dispositivo de leitura e de trabalho.

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