Como Saulo de Tarso, também eu tive a minha estrada de Damasco. Não foi em Damasco, claro. Foi em Fátima, o que para o efeito não deixa de ser um sítio recomendável. Também não foi numa estrada, mas num restaurante. Não naquele mais famoso do lugar, que tem um estrela dada pelos senhores de uma empresa francesa de pneus, mas num outro, menos estrelado, mas bastante competente no que faz. Estava lá sentado, para almoçar, quando trazem à mesa, um pequeno prato com favas. Uma gentileza da cozinha. As favas são da propriedade do dono do restaurante e são confeccionadas pela mulher. Torci o nariz, mas agradeci. Não por mim, mas pela avó dos meus netos. Durante toda a vida – já era longa, nesse dia – sempre detestei favas, uma coisa horrível, pesada como chumbo, embora nunca as tivesse experimentado, afastado pelo cheiro. Não sei que inspiração me levou a experimentar uma fava. Comi-a. Não morri, não fiquei agoniado, não tive vertigens. Experimentei a segunda, pareceu-me não ser mau de todo. À terceira, tinha-me convertido. Cada um tem as conversões que pode e as estradas de Damasco que lhe estão por perto. Hoje, o almoço, foi o de um autêntico converso. Estavam esplêndidas as favas. O pior foi que uma decidiu espirrar e, nesse acidente, a camisa e as calças foram atingidas. Encolhi os ombros, ouvi um riso escarninho e o comentário a despropósito: não te preocupes, o tira-nódoas é infalível. Uma pessoa, pensei, já não pode comemorar a sua conversão sem que uma nódoa – o efeito denunciador do pecado da gourmandise, que se me perdoe o francesismo – lhe rebaixe a devoção espiritual e a deixe perplexa a perguntar como pode ter acontecido, mais uma vez, o que acontece sempre. Ora, favas!
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