sexta-feira, 9 de maio de 2025

Tralha

A regra e a excepção. Não sei a razão pela qual esta frase surgiu na minha mente. É provável que seja uma regra — e não uma excepção — as frases surgirem na mente das pessoas sem que estas tenham feito alguma coisa para isso. A mim, acontece-me com frequência. Talvez, algures no nosso psiquismo, esteja alojado um grande armazém de frases, das quais não temos conhecimento, mas que aproveitam alguma distracção e pulam para a ribalta. Fico atónito e pergunto-me a que propósito veio aquilo. Só que a expressão já se apoderou de mim, dança na minha consciência, crava-se na memória e resiste quando tento enxotá-la, como se fosse uma frase vadia. Procuro em mim. Encontro uma peça de Bertolt Brecht, A Excepção e a Regra. Também descubro a ideia de estado de excepção, no pensamento de Carl Schmitt, retomado por Giorgio Agamben. Schmitt pensa que a excepção é mais interessante do que a regra. Interessante para quê? Não interessa — não vou discutir coisas impróprias numa sexta-feira à tarde. Se continuar, como arqueólogo persistente, a escavar o solo da minha memória, acabo por divisar alguma coisa. Ao contrário das leis, que são incondicionais, as regras admitem excepção. Algures, muito atrás, terei ouvido isso, embora não saiba onde nem quando. A ideia, porém, não é pensar regras e excepções, mas dar testemunho de que possuímos um armazém lexical cheio de tralha no fundo de nós. Ocorre-me, agora, uma possibilidade: palavras e expressões que, durante uma conversa, se apagam antes de serem proferidas podem ir parar ao tal armazém. Estou a falar com alguém, faço tensão de ir dizer alguma — por certo, decisiva — mas não a encontro. No lugar dela, está um buraco negro. Terá descido por ele até chegar ao armazém. Ali permanecerá até que, inopinadamente, salte sobre mim, bamboleando-se no palco mental que trago comigo. O mundo é um sítio estranho.

Sem comentários:

Enviar um comentário