quinta-feira, 19 de março de 2020

Florestas de símbolos

Abri a janela e com o ar entra também o canto dos pássaros e o bulício do mundo. Oiço a voz alteada de uma criança já em pré-adolescência, mas não percebo o que diz. Respiro lentamente para sorver o ar renovado. Nestes dias não faltam profetas do apocalipse, detectives que revelam as mais tenebrosas conspirações, analistas que desenham futuros que nos esmagarão como mosquitos. Podia ter evitado a comparação e optado por um enunciado metafórico, mas não devo esgotar rapidamente o stock retórico, a espera parece prolongada. Também não faltam idiotas, que aliás se confundem com as várias classes enunciadas ou os que lhes mimam as teorias. Eu não descobri nenhum segredo, não me foi dada visão de raio-X que equipa esses extraordinários super-homens. Tenho, porém, a vantagem sobre eles de não ser afectado pela Kryptonite, embora isso não me proteja de nada. Os vidros dos carros estacionados no hospital reverberam, enviam mensagens luminosas mas não há quem as saiba decifrar. Numa das leitura que fiz ontem, um filósofo francês referia que tudo é símbolo e logo a minha mente, perdida nos arcanos da volubilidade, chama por Baudelaire e põe-se a declamar La Nature est un temple où de vivants piliers / Laissent parfois sortir de confuses paroles ; / L’homme y passe à travers des forêts de symboles / Qui l’observent avec des regards familiers. Ponho fim ao soneto e volto a mim, mas sinto a saudade de certos olhares familiares. Penso neles e sorrio. À minha frente estão tarefas a realizar e olho para elas com inusitada benevolência. Ligam-me ao mundo, mesmo que esse não seja o melhor dos mundos possíveis. Hoje é quinta-feira, dia 19 de Março. É dia do pai e lembro-me do meu, de como gostaria de falar com ele sobre tudo isto ou sobre nada.

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