quarta-feira, 4 de março de 2020

O verbo reunir

Olho para a minha agenda, uma agenda imaginária, claro, e sou assaltado por uma pergunta. Que mistério haverá no verbo reunir para que ele exerça sobre tantos tão poderosa atracção? Vou a um dicionário, olho o verbo bem nos olhos, perscruto-lhe a intimidade e começo a vislumbrar aquilo que nele há de tão poderoso. Exprime uma nostalgia e uma recusa. Imaginemos a expressão toca a reunir. Nela há uma urgência na recusa do estado de dispersão. Haverá medo de que dispersos, perdidos na singularidade, não consigamos resistir a não se sabe bem o quê. E é aqui que nasce a nostalgia desse tempo mítico em estávamos todos unidos. As instituições estão cheias de reuniões porque muitos daqueles que as ordenam são pessoas nostálgicas e medrosas. Não suportam a solidão do estado de dispersão, desejam ardentemente voltar ao estado arcaico que habita a sua imaginação. Tudo isto para dizer que tenho duas reuniões para me ocuparem a tarde, sem que lhes vislumbre a necessidade, a não ser para aqueles que têm medo da solidão. Uma motorizada ronca pelas ruas aqui à volta. O ruído da maquineta é inversamente proporcional à inteligência de quem a conduz. Depois imagino que também ele terá pressa para se reunir. Os pássaros meus vizinhos parecem corroborar a minha ideia, mas logo abandonam o assunto para se entregar a uma conversa sobre os planos de voo. Também eles precisam de acertar detalhes, tomar decisões, fazer escolhas. Calaram-se agora, sinal que tudo está resolvido.

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