segunda-feira, 3 de junho de 2024

Adeus, dr. Freud

Fosse eu um modelo de linguagem da inteligência artificial, e tudo seria mais fácil. Bastava acertar no prompt e tinham um texto debitado em poucos segundos. Isto levou-me a uma experiência com o meu chatbot preferido. Pedi-lhe, tendo em conta as minhas interacções com ele, que fizesse um perfil meu. Não se coibiu e, em pouco segundos, disse-me que eu tinha interesses em linguística, história da língua portuguesa, tecnologia e inteligência artificial. Afirmou que eu usava um estilo de comunicação formal, preciso e cuidadoso e que me preocupava com o conhecimento e valorizava a tradição (uma acusação de conservadorismo). Por fim, não se esqueceu de me dizer que eu, este narrador sem nome, era reflexivo, dado aos detalhes (isto é, um chato), curioso e comprometido (na verdade, sou casado e não apenas comprometido; esta é uma piada sem graça, mas cada um tem o talento que tem). Este repertório das minhas hipotéticas qualidades alertou-me para uma coisa. Se alguma vez precisar de um psicanalista, o que começa a ser tarde, o melhor é recorrer ao meu chatbot. Certamente que me interpretará os sonhos, fará associação livre e me ajudará na autodescoberta, levando-me à cena primitiva que estará recalcada no fundo sem fundo do meu inconsciente. Eu não sou um modelo de linguagem, não consigo ter a prontidão discursiva de um desses modelos, mas também sei, descobri-o agora, que, se precisar de me auto-analisar, já sei a que porta vou bater. Adeus, dr. Freud.

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