sexta-feira, 14 de junho de 2024

Por falar em Pavlov

Continuam as experiências com um chatbot. Ele é a imagem do mundo, uma real projecção desse mundo que desagua na internet. Introduzi uma reprodução de uma pintura abstracta e pedi-lhe que me contasse uma história a partir dela. A sua inclinação para o kitsch parece inultrapassável. Numa terra distante e etérea, onde os limites entre a terra e o céu se confundem, existia um vale místico conhecido como as Planícies Sussurrantes. O vale estava envolto em uma névoa perpétua, escondendo os seus segredos do mundo exterior. Este foi o começo. Insuportável, o número de lugares-comuns. Nem continuei a leitura. Pedi-lhe então que me escrevesse uma história como se fosse Franz Kafka. Anuiu e devolveu-me este começo: Numa cidade sombria e claustrofóbica, vivia um homem chamado Gregório Duarte. Gregório era um funcionário de uma repartição pública, onde passava os seus dias a carimbar documentos e a arquivar papéis. A sua vida era uma rotina monótona e repetitiva, e ele sentia-se como uma engrenagem insignificante numa máquina colossal e indiferente. O pobre do Gregor Samsa surge metamorfoseada não num insecto, mas num português chamado Gregório Duarte, empregado numa repartição do Estado. Enfim. Não vou aqui contar todas as tentativas, nem sequer aquelas em que pedi que escrevesse ao estilo de Pessoa e, depois, de Saramago. Os chatbots têm uma lógica de resposta que os aproxima dos cães de Pavlov. Nós tocamos a campainha, e eles salivam. Coisa que acontece também com muitos seres humanos. Por enquanto, a arte humana está salvaguardada de concorrência. Por aqui, houve uma súbita animação. Os festejos de Santo António prosseguem, embora o que se ouve é uma cantiga popular ao S. João. Talvez devesse ir comer umas sardinhas. Isto por falar em Pavlov.

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