quinta-feira, 13 de junho de 2024

Linha do horizonte

Não o fazia há muito, mas hoje abri um dos cadernos de Eduína, com disposição de percorrer algumas páginas. De dentro, caiu uma folha manuscrita. Entre muros de pedra, a terra árida abria-se ao segredo do esquecimento. O vento, inflexível arauto do futuro, traçava sulcos na angústia densa inscrita na poeira. Pilares tocados pela brancura da cal vigiavam sonhos enterrados por cavaleiros sonâmbulos, pastores perdidos, amantes sem a tragédia do amor. A paisagem era uma recolecção de lembranças esculpidas no fundo esconso da memória, deserto rasgado por caminhos que se bifurcam e, como rios, desaguam no grande oceano do nada. A letra não é a de Eduína. É possível que seja uma letra masculina, talvez a de algum amante a quem ela poupou a tragédia do amor e, resignado, não teve a coragem de evitar a inclinação para o pathos que dorme no fundo do coração de todos os homens. Pergunto-me quais as razões que a levaram a guardar aquele bilhete. Piedade? É possível, mas não compreendo por que o guardou num dos cadernos que decidiu deixar-me como herança. Peguei no papel e coloquei-o ao acaso no caderno de onde caíra. Depois, guardei tudo, e fiquei a olhar o horizonte, mas não vi mais nada do que a linha do horizonte.

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