sábado, 8 de junho de 2024

O método do espelho

Saí há pouco e dei com os meus conterrâneos, aqueles que vi, com um ar meditativo. Pensei que era do tempo. Soturno, tempestuoso sem tempestade, céu coberto com areias vindas do Sul, sabe-se lá de onde, talvez de Marrocos. Depois, lembrei-me de que hoje é o sagrado dia da reflexão, aquele em que os portugueses jejuam e fazem abstinência, como purificação da mente, não vão eles, amanhã, impuros para as cabines de voto. A ideia deste dia de reflexão, em que os pronunciamentos partidários estão impedidos por lei, deve-se a uma sábia decisão. Na verdade, essa sábia decisão nada tem que ver com os eleitores. Quem quer saber se um eleitor enviesa o seu julgamento político apenas porque o turbilhão de propostas tem mais um dia para ecoar nas mentes indefesas? O dia de reflexão foi pensado como um dia de descanso dos candidatos. Chegam ao fim das campanhas exaustos e precisam de um dia para descansar. Assim, sempre têm energia para, no dia da eleição, irem votar e, caso sejam importantes, dar uma palavras para as televisões. Se a campanha acabasse hoje, amanhã nenhum dos candidatos votava. Ficavam todos a dormir. Só acordariam lá para as sete da tarde, para saberem os resultados. O legislador quis salvaguardar a imagem das instituições e decretou, para disfarçar, o dia de reflexão dos eleitores. Muitos destes levaram a coisa a sério e compraram espelhos adequados, onde se reflectem e tentam descobrir com que partido está mais adequado o rosto que têm. Não os reprovo, mas conheço gémeos univitelinos que votam em partidos diferentes, apesar de terem rostos iguais. Não sei se o método do espelho é o mais adequado para a decisão de amanhã. Daqui a pouco estarei com o meu neto e não falaremos sobre as eleições europeias, coisa que ainda não prende a atenção dos seus cinco anos e meio, mas sobre o râguebi, pois ele começou a frequentar as escolas de um famoso clube de râguebi lisboeta. Um dia destes, lá mais para Setembro, terei de ir ver um treino dele. O pai anda entusiasmado, terei de ver se o filho também está. O culpado é o avô que levou toda a família a ver um jogo de Portugal com Espanha, jogo que Portugal ganhou, o que é sempre um incentivo para a adesão. É melhor que o método do espelho nas eleições.

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