quarta-feira, 6 de maio de 2020

A preguiça do vento

É preciso andar de olho no tempo. Não me refiro à duração, pois essa ninguém sabe quem ela é, mas ao clima, à sua natureza volúvel, às suas idiossincrasias disparatadas. Ontem refrigerou, hoje aqueceu. A minha app meteorológica informa-me que a temperatura é de 23 graus mas chegará aos 26. O vento está de norte, mas sem pressa, desloca-se a 1 Km/h. Não há chuva. Consta que estão com falta de água lá em cima. Fiquei também a saber que a humidade é de 47%. O problema, e a vida não é outra coisa senão um amontoado de problemas, irresolúveis as mais das vezes, é que os meus olhos mostram-me um céu pouco nublado, com um sol radioso a escapar-se do azul e a aplicação jura-me que há um manto de nuvens, sem abertas para o astro espreitar. Eu acredito nela piamente e vou já marcar consultas para o oftalmologista e para o psiquiatra. Terei de investigar a razão por que, estando um céu nublado, eu vejo um céu azul, ensolarado. Estarei a ver mal? Cheguei à fase da alucinação? Alucinação ou deficiência visual, o arvoredo resplandece sob a inclemência dos raios solares, as paredes e os vidros dos carros reverberam, e tudo parece estar em plena Primavera, com pássaros a voar, gente a cantar, plantas a florirem ao sol e, se eu vivesse no campo, haveria de ver rebanhos e pastores e pastoras. O maior enigma, porém, é a preguiça do vento. Um quilómetro por hora? Se ele trabalhasse para mim, se fosse o portador das mensagens que envio ao mundo, despedia-o e contratava um serviço alternativo. Não sei bem a razão, mas na minha secretária poisou um livro de Orígenes, o Tratado sobre os Princípios. O autor levava certas coisas demasiado a sério e, talvez guiado por um impulso cego, castrou-se. É plausível que a partir dessa altura tenha tido menos insónias, não sei. É uma conjectura que está à procura da sua refutação. Hoje é quarta-feira, dia 6 de Maio. Muitas são as coisas que gostaria de fazer, mas continuam interditas. Sempre posso ir dormir uma sesta ou ver um filme, mas o dever chama-me e como um soldado em estado de prontidão entrego-me ao que a fortuna, essa deusa avara, me destinou.

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