segunda-feira, 18 de maio de 2020

Por que não te calas?

Oiço o ladrar de um cão. Haveria de ser o ladrar de um gato ou de uma galinha, pergunta-me a minha consciência. Olho-a com desdém e não respondo. O animal insiste em fender o silêncio, em abrir-lhe um buraco por onde a sua inquietação se escoe e ele possa com alívio deitar-se ao sol em prolongado descanso. Um dia haveremos de compreender a língua dos animais, o dialecto de cada espécie, o significado preciso de cada modulação sonora, o sentido que nasce do ritmo com que entoam o que querem comunicar. Mais tarde, talvez muito mais tarde, aprenderemos a interpretar o silêncio das árvores, dos arbustos, de todas as espécies que fazem parte do reino vegetal. Uns comunicam connosco pelo som, outros pelo silêncio, mas ainda somos demasiado infantis para afinar os nossos sentidos pelos das outras espécies. Não sei o que me deu para entoar um louvor à harmonia universal. Também eu tenho necessidade de belas ilusões. Se não me dão a verdade, pelo menos ajudam à boa disposição. Sigo um conselho de Winston Churchill: Seja optimista. Não serve de muito ser outra coisa qualquer. Hoje por hoje entrego-me ao optimismo, não porque haja razões a seu favor, mas porque se é pessimista relativamente às alternativas. Em resumo, o verdadeiro optimista é aquele que é pessimista perante o pessimismo. Continua a ser notória a minha falta de assunto. Poderia seguir a injunção que há uns anos um certo rei dirigiu a um protótipo de tiranete. Por que não te calas? Esta é uma belíssima pergunta, para a qual não encontro resposta. Talvez siga o ensinamento do antigo primeiro-ministro inglês e diga: Falo. Não serve de muito estar calado. Comecei a semana útil com estas inutilidades, mas é com elas que preencho a vida. Hoje é segunda-feira, dia 18 de Maio. Ao longe avisto um bosque de pinheiros mansos. Sobre ele esvoaçam anjos magníficos, de asas luminosas e espadas de diamante. A minha consciência salta de imediato para diante de mim e diz-me que eu não me chamo João, nem estou na ilha de Patmos, nem me alimento de gafanhotos. Fiquei sem palavras.

5 comentários:

  1. Também podia ser ao contrário: Calo-me, não serve de muito falar.
    Ou
    Seja pessimista. Não serve de muito ser outra coisa qualquer.
    (e se acontecer uma coisa boa ficarei feliz).
    É o chamado pau (perdão, conselho) de dois bicos ;)

    E agora tenho que ir investigar quem era o João que comia gafanhotos em Patmos...
    Hercule, Miss Marple, Sherlock, Dr. Google, podem chegar aqui, por favor?

    Uma boa noite, HV.
    🌻
    Maria

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  2. Ora bolas, afinal é esse João!
    Não sabia que tinha estado em Patmos... estou a precisar de ler a Bíblia ;)

    🌻
    Maria

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    1. A Bíblia é sempre uma leitura de recomendável, pois é um - não o - dos fundamentos daquilo que somos. Pode ser na versão do Frederico Lourenço.

      Quanto ao pessimismo, cada um toma a perspectiva que entender. Pressinto que chegará sempre ao mesmo lugar.

      HV

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  3. Os meus pais tinham a Bíblia da Verbo e eu li-a, já há imensos anos. Fui ali espreitar o volume que comprei do Frederico Lourenço (mas ainda não li) e não tenho desculpas: é precisamente o que tem os quatro evangelhos.

    Boa noite.
    🌻

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    1. Talvez não seja assim tão grave. A quantidade de coisas que se devem ler é tão grande, que talvez meia dúzia de vidas não cheguem para tanta leitura.

      Bom dia

      HV

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