terça-feira, 18 de agosto de 2020

O terrível que há no belo

Os loendros, com as suas flores rosas e brancas, estão exuberantes. Quem se deixar prender apenas pela extrema beleza que estes arbustos exibem não faz ideia de quão mortais podem ser. Talvez seja isso o que há de mais enigmático no que é belo, a sua capacidade homicida. Terá sido por isso que, na primeira elegia de Duíno, Rilke usou o adjectivo terrível para qualificar os anjos. Não todos, por certo, pois aqueles que vivem na minha rua sendo belos não o são em excesso. As pessoas pensam que são pombos, mas aqueles pombos não voam nem poisam nos telhados como pombos, mas como anjos. E se um pombo voa como um anjo, poisa como um anjo, canta como um anjo, só pode ser um anjo. Talvez estes anjos sejam também terrivelmente belos, mas disfarçam-se para esconderem essa beleza e poderem assim ser suportados pelos mortais. Hoje vi de novo a mulher que olha o horizonte. Lá estava ela na esplanada, fechada na sua dor de olhar horizontes, a beber o café, a pôr a máscara, a sair e a caminhar em direcção ao horizonte. Nas mesas ao lado, alguns casais deixavam cair para o chão a tristeza que havia dentro de cada uma daquelas mulheres. Eles liam o jornal, olhavam para o telemóvel, elas desfaziam-se num óleo desconsolado e viscoso, que alastrava como um pântano por um chão manchado de desespero e silêncio. Muitos casamentos são uma radiosa lástima, pensei.

Sem comentários:

Enviar um comentário