quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Uma velha pendência

Olho para as previsões meteorológicas e calculo perdas e ganhos, projecto cenários de dor e prazer, arquitecto estratégias de defesa, pois as de ataque não estão disponíveis no mercado da meteorologia. O clima tornou-se uma guerra, pensei, uma guerra em que apenas podemos implorar por abrigo. Hoje tem chovido e parece que vai continuar durante todo o dia. Isso contenta-me, sinal de que já me satisfaço com pouco. Recebi há pouco um email de Lodovico Settembrini, o padre Lodo, como todos os amigos o tratam. Disse-me estar preocupado com uma coisa que escrevi aqui sobre o príncipe Saurau. Fê-lo lembrar o Leo Naphta, e Deus me perdoe – escreveu o padre – apesar de ter, como ele, dado em jesuíta, não suporto a personagem e as suas malditas ideias, sopradas pelo demónio. Eu que me cuide, escreve, pois há muito que desconfia existir em mim uma certa inclinação para o cepticismo. É preciso ter fé, continuou, seja no for, nem precisa de ser em Deus. Eu rio-me da velha pendência dos dois padres e penso que talvez não devesse escrever isto, mas nem sempre consigo resistir às tentações. Talvez seja do meu cepticismo ou da minha falta de fé, seja no que for. Oiço os pássaros e o seu canto mistura-se com o rumor do trânsito. A vida é um exercício de paciência, penso.

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