sábado, 8 de agosto de 2020

Sem alma comercial

Raramente, ao acordar, tenho consciência de ter sonhado, mas não foi o que aconteceu esta manhã. Era um imbróglio qualquer em torno de um negócio que já não sei precisar. Qualquer coisa que me resultava numa situação muito desconfortável. Eu que não possuo uma alma comercial acordei em sobressalto e lembro-me que fui sossegando dizendo-me, no silêncio do quarto, que era apenas um sonho, nada mais que um sonho e que, se fosse na vida real, jamais me meteria num negócio, quanto mais num imbróglio aflitivo. Depois, abri a janela, a luz entrou, e o sonho começou a apagar-se, restando aquilo que acabei de contar. Entreguei-me à vida de um sábado de Agosto, mas um certo desconcerto não me tem abandonado. Será que a minha alma de narrador é apenas uma alma comercial travestida e frustrada? O mundo está cheio de equívocos e alguns dever-me-iam calhar, pensei. Será que também a mim se aplicam aqueles versos, Esperanças mal tomadas / Agora vos deixarei / Tão mal como vos tomei, com que Sá de Miranda inicia um vilancete? Depois, alvitrei que fora do reboliço académico já ninguém deve ler Sá de Miranda, mas posso estar enganado. Passa por mim um grupo de rapazolas e um diz, entre palavras que me abstenho de reproduzir, que falhou o golo com a baliza aberta. Ele não sabe ainda que a vida não é outra coisa senão uma sucessão de golos falhados com a baliza aberta, mesmo quando a bola entra. Entre ou não entre a bola, o resultado será sempre o mesmo. Talvez seja por sofrer de pensamentos como estes que eu não tenho uma alma comercial.

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