quinta-feira, 27 de junho de 2019

A morte da senhora de Segelfoss

Ao olhar a capa do velho livro que estou a ler, pergunto-me o que terá a literatura para que eu dê uma especial atenção à queda do senhor do domínio de Segelfoss. Eu sei que o senhor e o seu domínio, assim como a própria queda são apenas palavras criadas pelo romancista Knut Hamsun. Nada daquilo se relaciona com uma realidade substancial. Não basta, porém, dizer, como Coleridge, que se suspende a descrença para acompanhar a trama romanesca. O enigma está no motivo por que o fazemos. Interessamo-nos pelo destino de pessoas que não existem, que estão embrenhadas em situações que não existem e que têm destinos que nunca existirão. Estamos conscientes desta irrealidade e, no entanto, não paramos de virar as páginas. Talvez o façamos porque estamos certos dessa irrealidade. Talvez o façamos porque, apesar de termos opiniões sobre tudo o que acontece, não suportamos a realidade. Talvez o façamos porque na morte de Adelheid, a senhora de Segelfoss, pensamos a morte como uma ficção e assim evitamos olhar nos olhos a nossa própria morte.

5 comentários:

  1. Do Knut Hamsun apenas li Fome, Mistérios e Pan.
    Penso que se está a referir a Filhos da Terra (fui ao Dr. Google), que nunca li.
    Todavia, a questão que põe é deveras interessante: porque nos interessará tanto a vida de certos personagens ficcionados, sendo que alguns até nos acompanham a vida inteira como se fossem de carne e osso?
    Mistérios...

    Maria

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    1. A versão portuguesa é Filhos da Época, de 1949, publicada pela Editorial Minerva. Julgo ser uma versão feita a partir de uma tradução, talvez francesa, mas não tenho a certeza. Se isso foi assim, não perdeu o sabor norueguês que perpassa nas traduções da Cavalo de Ferro. A Cavalo de Ferro traduziu outro romance denominado Os Frutos da Terra.

      O resto é o segredo da literatura.

      HV

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    2. Sim, tem razão quanto ao título, eu é que errei (nem me vou desculpar com o google, que estava correcto).
      Há tempos o HV falou aqui no livro A Pele, do Curzio Malaparte; ainda não o encontrei, mas ao ver os filmes em saldo no site da Fnac encontrei o DVD (La Peau, da Liliana Cavani, com o Marcello Mastroianni) por apenas 5 euros.
      Já o tenho cá em casa, para ver um dia destes. Bem sei que não é a mesma coisa, mas...

      Maria

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    3. Quanto a A Pele, pode ver aqui:

      https://www.custojusto.pt/lisboa/livros/-a-pele-de-curzio-malaparte-28250082

      HV

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