sábado, 29 de junho de 2019

Exercícios da paciência

Chegou sábado e não devia estar por aqui. Um excesso de zelo, porém, obriga-me a ficar em casa neste fim-de-semana. Tento ser um taxinomista ponderado e razoável na classificação das espécies. Oiço uma voz. Grita, lá em baixo, golo. Depois o rapazola ri-se, tomado pela euforia. Naquelas idades, nada há mais importante que um golo. Há pouco tive de atravessar a cidade para uma visita de família. Foi uma travessia por ruas lentas, morosas, cheias de paciência. As ruas da minha cidade nunca desesperam. São como tartarugas que sabem muito bem que não haverá Aquiles que as vença. Então deixam-se estar na sua modorra, à espera de transeuntes, e eles lá vão passando, inclinados para si, fechados no pequeno habitáculo da sua consciência, indiferentes ao desvelo acolhedor de cada rua, de cada beco, de cada avenida. Espreito à janela. Dois adolescentes disputam uma bola. Fintam-se um ao outro, fintam-se a si próprios. O terreno de jogo é uma mescla de luz e sombra. Recolho-me e penso que poderiam colocar jacarandás no lugar das palmeiras cortadas. Assim, poderia falar na glória dos jacarandás em Junho. Ou, então, renques de ciprestes, para que os homens não se esquecessem de olhar para os céus. Os jogadores calaram-se e o último golo que eu marquei – eu que nunca tive inclinação desportiva – foi há tantos anos que começo a duvidar que realmente o tenha feito.

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