terça-feira, 25 de junho de 2019

O taxinomista que boceja

Tomado pelo sono, bocejo atrás de bocejo, uma tentação quase irresistível de fechar os olhos e deixar descair a cabeça, suspendi a minha função actual de taxinomista. Por vezes sou agraciado com a divina dádiva de me entreter com categorizações, exercícios de ordenação de certos elementos através do jogo das semelhanças e diferenças. Estou a ficar esotérico, o melhor é mesmo, caso não consiga calar-me, falar de outra coisa. Na verdade, há coisas que me incomodam como ir a um restaurante e sair de lá a cheirar a comida. Imprevidência, dir-me-ão. Um juízo precipitado. Era o que estava mais à mão e que me permitia voltar mais rapidamente para a minha função de organizador de taxinomias. Por vezes, as refeições são um incómodo, mas ainda não consigo dispensar o suplemento de energia que fornecem. Sempre podia jejuar ou mesmo fazer como o burro do espanhol, mas conheço o funesto destino do pobre animal. A verdade é que me senti melhor ao sair. Havia uma luz triste a lembrar a melancolia dos sábados à tarde na província. Os carros passavam, as pessoas cruzavam-se, as folhas das árvores, batidas pelo vento, abanavam. Fiquei siderado pela proliferação de pretéritos imperfeitos na frase anterior. O que me vale é que os macacos-prego usam ferramentas de pedra há três mil anos e os chimpanzés do Congo possuem um tipo de cultura diferente de outros chimpanzés. Isto tranquiliza-me e rouba-me à minha solidão. Agora não sei se hei-de voltar para as taxinomias ou ir bocejar para outro lado.

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