domingo, 30 de junho de 2019

Ruminações

Nestes dias não tenho deixado de ruminar na descoberta da minha obsolescência. Hoje também não foi diferente. O que me valeu foi a visita do meu neto. Com os seus sete meses e meio arrasta-se por onde o deixam, movido por objectivos determinados, quase sempre traduzidos na tentativa de capturar um telemóvel esquecido ou de alcançar qualquer coisa que brilhe. Ainda não chegou o momento em que há-de passar pelas estantes e puxar livros e CD para o chão a grande velocidade, como se soubesse que está a fazer uma patifaria. Talvez esta propensão que os netos têm, quando começam a andar, de desarrumar os livros e a música seja um sinal que só agora começo a perceber. Os livros que leio e a música que oiço são coisas que já não fazem sentido, o melhor é desocupar as estantes para que alguém mais de acordo com o espírito do tempo as encha com aquilo que lhe há-de interessar. A ideia consola-me, assim como me consola o vento que ameniza a temperatura por estes lados. O domingo progride, o meu neto já se foi embora, restam-me os livros fora de época e a música que ninguém mais há-de querer ouvir. Não há coisa pior que criar expectativas que a realidade, sem benevolência, se encarregará de desmentir. Às vezes, penso nos meus dois avôs e sinto uma grande tristeza por eles terem morrido bem antes de eu nascer. Nunca pude chamar por eles e descobrir o que tinham para me ensinar.

4 comentários:

  1. Entre o desapego das coisas e o amor às coisas vamos hesitando...mas nunca saberemos o que de nós ficará nos outros.
    ~CC~

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    1. É verdade, até porque nem sequer temos consciência plena daquilo que de outros ficou em nós.

      HV

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  2. É da minha avó materna que guardo mais recordações, pois morávamos no mesmo prédio. Foi ela que me ensinou a tricotar quando tinha sete anos: Fiz dois casaquinhos de malha para um casal de bonecos. Ficaram lindos (passe a imodéstia) e foi uma aprendizagem para a vida: muitas camisolas e casacos tricotei ao longo da vida, achava tão relaxante tricotar.

    Maria

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    1. Os avós são, por norma, personagens muito marcantes para os netos. Estabelecem relações mais distendidas que os pais, e deixam marcas que não se apagam.

      HV

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