domingo, 9 de junho de 2019

O contra turista

Deveria estar a ver o ondular do oceano, sentado numa esplanada, fingindo ser um turista contumaz. Não estou, há muito que me descobri sem alma turística, coisa de que não paro de me penitenciar. Encontrei há anos, numa romance de Xavier de Maistre, o meu ideal de viajante. A literatura não é coisa que faça bem a ninguém. O título iluminou-me: Viagem à Volta do Meu Quarto. Li o livro com voracidade, como se tivesse descoberto no jovem oficial detido no seu quarto uma alma gémea. Sei que isto parece inusitado, num tempo em que não há quem não viaje, não corra Ceca e Meca, não tenha aventuras que só o turismo permite para gáudio dos ousados calcorreadores do mundo, que hão-de contar, sem falha de pormenores reais e inventados, as mil aventuras que o mundo lhes proporcionou. Tudo para desgraça do ouvinte que, tomado por uma educação caída em desuso, escuta silencioso, sorrindo como quem faz dura penitência. Eu não tenho aventuras turísticas para contar, a não ser as viagens sentado à minha secretária, coisa que omitirei para desprazer dos leitores ávidos de novidades. O oceano espera-me, mas eu não me espero no oceano.

6 comentários:

  1. Eu apenas travei conhecimento com essa insólita forma de viajar em 2015, quando a Tinta da China, em boa hora, resolveu editar esse livro.
    Diverti-me muito a lê-lo, mas o apelo do oceano é tão irresistível para mim (talvez por ser de um signo da Água) que, se pudesse, saltava já da poltrona e ia a correr para junto dele.
    Maria

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    1. O mar de Junho é ainda muito suportável. Julho piora. Agosto é um suplício.

      HV

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    2. A Beira Interior também é assim, HV. Só que em vez de mares de água e pessoas, tem mares de calor e chamas.
      Um país tão pequenito e tão diverso...
      Mas compreendo bem o que quer dizer, eu também detesto multidões e escolhia sempre o Junho para férias.
      Maria

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    3. É um país difícil, este. Seja como for, sobrevive quase há 900 anos. Não é mau.

      HV

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  2. Imaginem como eu estou distante de tudo isto. Aconteceu no dia 1 de Junho. Resolvi ir mostrar Lisboa a uns amigos alemães. Que decepção. Não viram Lisboa. Viram apenas outros alemães, ingleses, chineses, paquitasneses a convidar para restaurantes duvidosos, alguns tugas gananciosos. Honra seja feita, salvou-se o almoço no Castiço com um bacalhau a condizer e carne de porco à alentejana "legitima", sem um único turista por perto, aliás 2 alemães.

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