sábado, 14 de outubro de 2017

Comprar cadernos

Por vezes, compro cadernos. O papel em branco fascina-me. Imagino, então, que os posso encher com aquilo que me venha a ocorrer. Sou muito hábil em produzir justificações deste género. Tivesse eu talento para outras coisas como tenho para a justificação. Depois, chego a casa e arrumo-os e eles desaparecem da vista, do coração e até da memória. Poderia desconfiar que há em mim uma propensão para a acumulação. Nada de mais errado. Acabo por dá-los. Substituo a utilidade pela caridade. As minhas netas estão naquela idade em que precisam mesmo de um caderno que, rapidamente, se há-de encher de desenhos ou de jogos cujas regras me escapam ou, o mais provável, me seja vedado o conhecimento. Nunca é, contudo, o desejo de agradar aos outros que me leva a comprar esses cadernos. É a textura do papel ou a brancura da página rasgada por linhas de cor indefinida, se escolho um pautado, ou, acima de tudo, a necessidade que tenho de anotar neles o que me há-de ocorrer. Há décadas que não escrevo uma linha em papel.