segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Um galo

A noite ruge de uma forma muito distinta do dia. Oiço-a murmurante e no murmúrio descortino a ameaça. Exceptuando talvez a primeira juventude, nunca fui um animal noctívago. Talvez me dê mal com as potências das trevas e prefira, sem hesitação, deixar vaguear os olhos sobre as coisas iluminadas pelo Sol. Alguém fecha uma persiana, um carro passa na avenida, mas a noite continua, levada pelo seu rugido, a deslizar para a madrugada. O pior é não haver por aqui um galo. Quando cantasse, saber-se-ia que o dia se aprestava para estilhaçar a parede negra com que somos envolvidos. Um galo a Asclépio devia Sócrates na hora da morte. Um galo é o que todos devemos quando a noite se aproxima.