quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Cuidar das orquídeas

Uma grande excitação vai por aí. Fala-se de acusações e arguidos, e do regime e sei lá eu mais de quê. Lá fora, alguém diz que tem de ir tratar das orquídeas. Empurrada pelo vento, uma porta bate. A água corre, oiço-a. Estou sentado e olho a janela. Ao longe, os cedros estão a secar e as paredes do hospital cobertas de bolor. Um pombo fendeu o horizonte e desapareceu. Pego num livro, mas, nem sei porquê, começa a desfilar diante de mim a sorte miserável de alguns déspotas odiosos. E nunca sei quem é pior, se o odioso justiçado, se a multidão que ulula por aí o seu ódio justicialista. A luz do sol ainda bate na parede do prédio da frente. Débil. Temerosa. Ao menos, se eu fosse um Nero Wolfe teria umas orquídeas para tratar e tudo seria mais fácil, penso. Morreriam, grita em mim a voz que nunca se cala.