terça-feira, 17 de outubro de 2017

O fragmento 18

Enquanto me preparo para sair não me sai da cabeça o início do fragmento 18 de Heraclito: “se não esperarmos o inesperado, não o encontraremos”, traduzo, de memória, duma tradução francesa. Dupla traição. É verdade que pela manhã deve haver coisas mais interessantes para pensar, enquanto se toma o pequeno almoço ou se lava os dentes. Mas quem não sabe que somos mais escravos dos nossos pensamentos do que seus senhores? E o Heraclito e o seu malfadado fragmento lá calcorreiam entre os meus neurónios, ainda adormecidos. Da janela, enquanto bocejo, avisto um Outono envergonhado e oiço o rumor indiferente dos carros que passam. O fragmento caminha, caminha dentro de mim à procura de um porto onde atracar. Por fim chega ao seu destino. Afinal, vivo num país que sempre espera o inesperado, pois está sempre a encontrá-lo. Quando a minha mão abre a porta de saída, hesito longamente. Também eu estarei à espera do inesperado?