sábado, 16 de dezembro de 2017

A praça

Passei há pouco pela Praça 5 de Outubro. Parece uma viúva a tiritar de frio, pensei ao olhá-la. Depois, disse para mim mesmo: estas analogias não têm pés nem cabeça. E fiquei a contemplá-la no abandono que é o dela, perdida a remoer pensamentos obscuros, a desfiar perfídias e vinganças, enquanto uma ou outra sombra a atravessavam. Há lugares que gostaríamos que fossem eternamente aquilo que, um dia, foram para nós. A eternidade, devia sabê-lo de cor, não é um atributo das coisas humanas, nem sequer dos lugares que fervilharam de vida. O espírito que em tempos a animou retirou-se, discorri. Alguém, apressado, acena-me e desaparece no crepúsculo. Demoro-me mais uns minutos, olho-a lentamente, deixo que uma ou outra recordação venha até mim. Depois, rodo a chave na ignição, engreno a primeira e faço o carro deslizar dali para fora. Não devemos perturbar a viuvez de uma viúva. Exclamei, sem que ninguém me ouvisse.