sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Esperar

Fechei devagar a porta da sala e saí. Tinha acabado, pelo menos por uns dias. A tarde começara cinzenta, mas não deixava de ser tocada por um halo de esperança. O ruído dos intervalos ficava para trás. Quando passei pelo portão, respirei fundo. Haverá ainda dias de reuniões e papéis, de actas e do resto, sempre tão elusivo, que é necessário para satisfazer a fome insaciável do Leviatã moderno. Tudo isso se não servir para mais nada, há-de valer para a remissão dos meus pecados, ponderei sem entusiasmo. Paro na passadeira junto ao tribunal. Apressado, um homem, porventura um advogado, atravessa-a. Aonde o levou aquele passo rápido? Não o cheguei a perceber. Talvez o esperasse alguém perdido no labirinto de um processo ou talvez fosse a mulher, impaciente e pouco solícita, com a toga que ele teria esquecido em casa. Nunca se sabe o que atormenta as pessoas e as precipita mundo fora. No semáforo, logo a seguir, torno a parar. Como acontece sempre, a Antena 2 perde o sinal e o carro mergulha no silêncio. Espero. E é tudo o que resta a um mortal, esperar. O quê? O melhor é não o saber. Lá atrás, ficaram as salas fechadas, pensei, enquanto o Quator de Messiaen retornava e estendia sobre mim a luz dolorosa que é a sua. É sexta-feira, pensei.