terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Castanheiros

Quando cheguei a casa descobri que me tinha esquecido dos óculos de ler na escola. Nada a fazer senão mergulhar na noite e atravessar a cidade. Havia muita gente em trânsito. Os carros deslizavam devagar e os peões eram sombras que se desvaneciam nos passeios. Os castanheiros da avenida estão agora lacrimosos. Quando se aproxima o Natal, descarregam sobre eles uns fios semeados de pequenas luzes, como se isso os tornasse mais adequados a uma época que não é a deles. O que vale é que, estóicos, suportam tudo, mesmo os desvarios dos homens. O seu reino virá mais tarde quando florirem. É isso que lhes importa. Como os castanheiros, também os homens deveriam apenas preocupar-se com o que lhes importa, com essa hora em que hão-de florir, especulei ao deixar a avenida. Como sempre sou dado a ilusões e deixo-me arrastar por analogias cujo sentido logo me parece bizarro. Por que razão haveria de florescer um ser humano? Nem flores nem frutos, pensei. E apressei-me para descobrir onde tinha deixado os óculos.