terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O ardil

Dezembro deixou que os dias se contaminassem de festividades. Nem o frio bastou para evitar a algazarra que de tudo há-de tomar conta. São dias de alarido, penso, enquanto rasgo a noite com a luz dos faróis. O calendário é, sei-o bem, uma fortaleza inexpugnável, uma emanação da frieza cósmica para nos agarrar pela coleira e pontapear para dentro da vida. Ou da morte, acrescento em silêncio. Ao sair do carro recebo a carícia do vento e olho para o café ao lado de casa. Há muito que não entro ali. Outrora, sabia o que poderia fazer num café. Agora, tudo se me estranhou e evito o deambular à procura de uma mesa. Talvez esteja num processo de regressão vegetal, mas a humanidade tornou-se muito pesada. A noite está fria e eu olho o café, a luz que nasce dentro dele para morrer na tristeza dos olhos de quem passa. Se eu entrasse lá agora? Um casal de namorados entra, enquanto duas senhoras, talvez casadas, saem. Na verdade, o mundo é feito de estranhas compensações, constato. Ah se eu entrasse ali, tudo se desequilibraria. O melhor é ir para casa, resguardar-me de Dezembro e dos pensamento que, como tentações, me entregam ao ardil do inimigo.