quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Verdade e versos

Olho a rua e sinto toda a verdade que se esconde num verso de Eugénio de Andrade. “Com o sol a trepar pelas árvores”, escreveu, há muito, o poeta. E é isso que vejo, nesta manhã, antes de ser tragado pelos monstros que, dia após dia, devoram a vida dos homens. Olho pela janela e os monstros desaparecem, refluem para o lago que, subterrâneo, desliza dentro de mim, tecendo, com zelo, a minha perdição. O sol trepa pelas árvores, penso. Por vezes, canta nos verdes outras sussurra nos amarelos, mas nunca deixa de trepar ramos acima, mostrando a verdade de cada árvore na verdade de um verso. Rio-me ao pensar na mistura de verdade e versos. Deveria seguir a lição de Platão e expulsar o poeta da cidade, ficaria mais tranquilo. Nada pior do que ficções, recordo. E nesse instante, entre o verso de Eugénio de Andrade e a indisposição de Platão para com a poesia, penso que o próprio Platão seria o poeta que deveria ser expulso da cidade. Assim como o sol trepa pelas árvores e eleva-se aos céus, também os homens dizem, as mais das vezes, o contrário daquilo que sentem. Se fossem árvores, não o diriam, e eu não escreveria estas palavras sem utilidade, nem propósito, nem verdade.