As noites nem sempre são boas conselheiras. Envolvem-nos com
a sua tecelagem de equívocos e enganos, arrastam-nos para a turbulência que
habita o centro de toda a bonança, prendem-nos ao risível que nunca se cansa de
aflorar no rosto, no nosso. Então vemos a vida a desfiar-se e raras são as
vezes que gostamos daquilo que se vê. Talvez a noite tenha a virtude de tornar
mais sombria a realidade e de deixar, na boca dos homens, uma trago amargo, o
fel que o passar dos dias foi acumulando. Há pouco, num dos apartamentos aqui
perto ouvia-se um bebé chorar. Agora, são uns saltos que golpeiam o chão de
pedra e ressoam dentro do cansaço que há mim. Espreito pela janela e tudo
parece imóvel. Ao longe ouve-se o frufru da seda da noite. Nada é eterno,
talvez a mulher se tivesse descalçado e a criança adormecido. Pego num livro,
mas sinto os olhos a picar.