segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Anjos


Só se ouve um piano, mas o título da peça é “Três anjos cantavam”. Os meus ouvidos não estão preparados para escutar as vozes dos anjos, pensei, enquanto deixava o espírito enovelar-se nos acordes musicais. Talvez o título seja uma metáfora ou uma falsa promessa. Promete vozes de anjos e escutamos um piano. Também a tarde de hoje é feita de falsas promessas, presumo. O céu cinzento anuncia chuva, mas ela recusa-se a cair. Olho para a rua e os transeuntes caminham despreocupados, presos aos seus sonhos, mãos vazias como se soubessem que a água prometida é uma conjectura sem sentido. Volto para a voz dos anjos e oiço as notas saídas do piano. Talvez essa voz não seja mais que o silêncio, esse silêncio que abre o corpo do homem ao segredo da música. Observo inquieto a rua e ainda não chove. Um anjo poisa no telhado em frente, quase se desequilibra. Recolhe as asas e canta.