quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Quarta-feira de cinzas


Chegou a quarta-feira. Cinzas derramam-se dos céus, arrastadas pela melancolia do sol, banhadas na água lustral de nuvens que passam devagar sobre os telhados da antiga vila. E quase sinto saudades daqueles tempos em que havia Quaresma com jejuns e proibições, uma árdua preparação para a ressurreição da carne. Volteio pela cidade de carro e penso que ela, na verdade, entrou há muito tempo na Quaresma e promete por lá ficar, sem que uma ressurreição se adivinhe no horizonte. É agora um lugar de melancolia. As pessoas, aquelas que vejo atarefadas e sombrias, atravessam-na com cuidado, assombradas por um espectro que não sabem identificar. Há muito que estas ruas e praças, que estas gentes, onde me incluo, entraram numa irremissível quarta-feira de cinzas.