sábado, 3 de fevereiro de 2018

Viagens genéticas

Talvez uma parte dos meus genes tenha feito uma grande viagem, vindos de paragens setentrionais frias e pouco luminosas. Do que sei deles, não há indicação que tal tenha acontecido, mas a minha sabedoria, com tudo o que essa sabedoria tem de precário, não vai muito para além dos dois séculos. A verdade é que cheguei à janela e vi uma tarde cinzenta, sombria, a chuva a cair. Enquanto olhava com prazer para a rua, algo em mim sussurrava: esta é a tua pátria, uma terra de sombras, dias pequenos e frios. As pessoas corriam para se abrigarem da chuva e eu pensava que raramente sentia saudades dos dias de calor, dessas orgias de luz, abulia e transpiração. A chuva parou. A tarde declina e sento-me como se este lugar fosse outro, longe daqui, sem que uma ameaça de fogo sobre ele impendesse, logo que a primavera se aproxima da tormenta estival. Sabemos lá de onde vêm os nossos genes.