domingo, 18 de fevereiro de 2018

Antevisões


Esta luz faz lembrar já os arpejos da Primavera, pensei. Logo, uma onda de calor desceu sobre mim numa antevisão do que virá. O problema todo está nesta maldita Idade de Ferro que nos foi dada a viver. Como o velho Ovídio explica – e outros antes dele – na primeira Idade, a de Ouro, a Primavera era eterna, mas tendo sido devorado esse tempo, com a passagem à Idade de Prata, as estações foram divididas e a Primavera, antes infindável, é agora breve e logo cede o seu reino ao tormentoso Estio. E com esta recordação os raios solares que descem sobre a avenida em vez de consolo são já uma ameaça tórrida a que ninguém, contudo, presta atenção, entregues que os homens estão à celebração da glória luminosa do sol. Recolho-me em casa e tento lembrar-me dessa outra pátria que haveria de ser a minha se a ordem do frio e do calor, da luz e da sombra coincidisse com o meu desejo. E em mim não há mapa onde a encontre nem voz que a sopre aos meus ouvidos.