sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Envelhecer


Sentado ao balcão, o homem metia conversa com as mulheres que passavam. Elas, bastante mais novas, condescendiam em trocar umas palavras. É penoso envelhecer, pensei, enquanto ia almoçando apressado num canto do bar. A tarde entrava pela grande vidraça e caía ensolarada e impiedosa sobre as mesas. A Primavera aproxima-se, até um corpo gasto ainda sente o sobressalto, concluí. A boca do homem enrolava-se à procura de uma palavra, uma única que pudesse dizer a memória fugaz do desejo, daquele desejo que se desejaria ter. Quase senti vergonha de estar ali e de assistir à luta desigual do corpo gasto contra o tempo. Elas sorriam perante a banalidade, respondiam com outra e seguiam em direcção à porta, sem que ele esboçasse um protesto. Eram as regras do jogo, deduzi. A rua esperava-as e, na sua complacência, pressenti o medo que as habita, esse medo de chegar a hora em que faltam palavras para o desejo, em que este para se dizer gagueja e descobre as piores, aquelas em que nunca deve ser dito. É penoso envelhecer nestes dias de sol, em que a Primavera se anuncia e o deus anda solto e desamparado pelos campos.