terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Pensamentos ociosos

Há muito tempo que não oiço as Hochzeitskantaten, de Bach. Por acaso, ou por uma determinação cujas causas desconheço, peguei num CD em que Christine Schäffer as interpreta, acompanhada pelo Musica Antiqua Köln, dirigido por Reinhard Goebel. Uma edição da Deutsche Grammaphon. Que razão me terá levado a esse disco e não, por exemplo, à Sinfonia “Kullervo”, de Jean Sibellius, ou a Kagel by Mauricio Kagel. O que me interessa é se o acontecimento foi aleatório ou, parecendo fruto do acaso, alguma secreta inclinação me conduziu, em primeiro lugar, à obra de Bach e, só depois, às outras. Afasto três explicações. A primeira, a tese aleatória, diz que o acaso é mero acaso e não mais do que isso. A segunda diz que uma cadeia causal, vinda dos primórdios do universo e gerida pelas leis da natureza, me levou até àquela obra. Uma terceira sublinha que estava fadado pelo destino a encontrá-la neste preciso momento. O que gostaria de saber é que secreta decisão se deu em mim para que, inconsciente, me dirigisse a ela e a reconhecesse como aquilo que queria ouvir. Portanto, nada de leituras influenciadas pelo indeterminismo da mecânica quântica, nem pela física determinística, nem pela metafísica esotérica. Em que ponto de nós se dá uma decisão que parece ter sido formada antes de se ter dela consciência? Melhor seria falar do estado do tempo, do adiantamento dos trabalhos dos campos ou, então, de um poema que começa assim: De perfil. As rugas por metade. / Mais fundas junto à boca desgostosa. / Nenhuma rosa. / No cristal da idade. O que seria um poema pouco concorde com o espírito nupcial das cantatas de Bach. Nem sempre as terças-feiras são dias propícios à clareza de espírito. Volto para a realidade, essa casa de correcção que trata de pessoas com condutas viciosas e não há coisa mais viciosa do que ter pensamento ociosos.

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