quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Um pré-moderno

Afinal, não será uma patologia, mas o eco persistente de um hábito que os tempos modernos vieram destruir, talvez sem o conseguir por completo. Estou a falar por enigmas? É possível, mas são estes o sal da vida. Referia-me à vexata quæstio da insónia que, com regularidade, me atormenta. Uma entrevista, na excelente Electra (Inverno 2022/23), a Roger Ekirch, autor de At Day’s Close: Night in Time Past, descubro que a ideia de que o padrão consolidado do sono é o de oito horas contínuas não passa de uma invenção moderna, demasiado moderna. O autor descobrira que, antes da Revolução Industrial e da iluminação nocturna, o sono era bifásico, havendo uma interrupção de cerca de uma hora, entre o primeiro e o segundo sonos, na qual as pessoas se entregavam às mais diversas actividades. Quais, perguntar-se-á. Bem, actividades que não exigissem grande iluminação. Como por exemplo? Certas tarefas domésticas, ou meditar, rezar, ter relações sexuais. Constato que as possibilidades tinham certa variedade, embora algumas fossem de compatibilização se não impossível, pelo menos difícil. A não ser que se fosse um cultor do Tantra, como se poderia compatibilizar o sexo e a meditação? E o que tem isso que ver com a insónia de que padeço? Segundo a tese de Ekirch, a insónia a meio da noite é um eco persistente desse anterior padrão de sono. Talvez isto seja um sintoma de que o meu tempo não é este, mas um que já passou, aquele em que a escuridão induzia a um sono bifásico (outra tese do autor). Em resumo, fui atingido pelo ferrete da obsolescência. Não há dia que não descubra mais um indício do estado em que me encontro. Definitivamente, sou um pré-moderno.

Sem comentários:

Enviar um comentário