sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Toponímia

Desconfio que não tardará e estaremos, mais uma vez, em seca severa. Depois de um Janeiro que, após um começo lacrimoso, se desfez das águas e abraçou a causa do fogo, estamos no terceiro dia de Fevereiro e a tendência mantém-se até, pelo menos, meados da semana que vem. Já floriu a primeira orquídea cá por casa. Outras prometem para breve o abrir-se em flor. Esta expressão, abrir-se em flor, deveria ser evitada. Não me ocorreu outra melhor. O pequeno bosque da escola aqui ao lado é uma mistura de luz e sombra. Na Sá Carneiro, os transeuntes transitam com vagar, gente sem idade que procura as esplanadas onde possa ainda deixar o corpo sorver um pouco de sol. O nome da avenida não se refere ao poeta, mas ao antigo primeiro-ministro. Não é o resultado de um reconhecimento artístico, mas da paixão política. Julgo que a nenhuma rua ou avenida daqui foi atribuído o nome de um grande escritor. Nem Eça, nem Pessoa, nem mesmo Camões. Há uma excepção, a grande referência nacional do século XIX, Alexandre Herculano. Consta que o autor de Eurico, o Presbítero teve tanta glória em vida, quanto Camões ou Pessoa depois de mortos. Essa glória chegou aqui e tomou o nome de uma rua. De resto, as artes e as letras não comovem a comissão toponímica local, uma congregação que imagino secreta, reunindo em conclaves nos quais, com gravidade, se delibera a alteração de nomes existentes ou, se aparece alguma rua nova, o baptismo da recém-nascida. Daqui a pouco, chegam as minhas netas para passar o fim-de-semana. Os novos óculos continuam a oferecer-me uma visão mais nítida da realidade, o que pode não ser um bem.

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