quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Colapso do universo

Uma das experiências insólitas trazidas pela idade é a da transformação do tamanho das letras dos livros. Durante anos, décadas, a letra dos meus livros era estável. Tinha uma certa dimensão que se mantinha obstinadamente constante. Não aumentava, mas também nunca diminuía. Eu, ainda que não o dissesse a ninguém, admirava essa estabilidade. Prezava o carácter firme dos caracteres. Há uns anos, todavia, a realidade alterou-se, e esses mesmo caracteres tornaram-se estranhamente volúveis. Talvez não seja esse o termo. Adoecerem e começaram a sofrer de uma qualquer atrofia. É possível que passem fome, chego a imaginar, e por isso perdem dimensão, empequenecem. Presumi que o problema fosse dos meus olhos e passei a usar óculos de leitura, mas isso não tem qualquer efeito nas pobres letras que enxameiam os meus livros, jornais, revistas. Admito que pode haver um retardamento no decréscimo do seu tamanho, talvez uma ilusão provocada pelas lentes. Eles continuam a minguar. As pessoas hão-de julgar que é um problema meu, dos meus olhos, que este texto é a prova de que endoideci. Pura ilusão. É uma transformação na natureza das coisas, o fenómeno é de dimensão ontológica e não biológica. A realidade está a empequenecer, como se se preparasse para colapsar. A diminuição dos caracteres é a anunciação do colapso do universo.

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