No Público de ontem, José Pacheco Pereira escreve sobre a perda das duas culturas. O que está em causa não é o objecto de Meditação de C. P. Snow num célebre ensaio, de 1959, denominado As duas culturas. Nele, o autor argumentava que a cisão da cultura ocidental entre as ciências e as humanidades – as tais duas culturas – impedia uma compreensão mais profunda da realidade e dos desafios que enfrentamos. O texto de Pacheco Pereira refere-se já não a uma espécie de conflito entre as ciências e as humanidades, mas à perda pura e simples das referências das duas culturas que estão na base daquilo que nós, ocidentais, somos. A cultura greco-latina e a cultura judaico-cristã. Se há 65 anos, o drama estava na separação de dois reinos, hoje ele reside no apagamento da memória constituinte daquilo que somos. Tanto as ciências como as humanidades têm as suas raízes nessas duas culturas, que uma amnésia geral está a apagar. Elas são muito diferentes, mas têm um ponto que as une. São bastante exigentes e propõem, cada uma à sua maneira, um caminho de superação dos limites da nossa humanidade. O esforço é o seu núcleo comum. Foi essa lição que nos trouxe até aqui, mas que estamos a rasurar a toda a velocidade. Platão e Aristóteles não são fáceis. Homero ou Virgílio também não. O caminho do Cristo, com as suas exigências éticas e espirituais, não é um passeio na marginal. Contudo, foram essas dificuldades que permitiram criar um ideal de superação, que nos levou a ir mais longe e mais alto. Se se consumar a perda das duas culturas, resta-nos, primeiro, a cave e, depois, o abismo.
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