As pessoas começam a entrar em ebulição. Aproximam-se as festas – ou deverei escrever as Festas? – e os mortais, aqueles que pertencem a estes festejos e não a outros, azafamam-se nas compras. Entram nas grandes catedrais do comércio, mas também nas pequenas capelas, na ânsia de despacharem o que têm na lista ou de descobrirem qualquer coisa que se adeqúe ao destinatário. O motivo – a desculpa, dir-se-ia – é o do nascimento de um menino num estábulo, na mais vincada pobreza. Como essa comemoração de um nascimento em berço de palha se transformou numa grande época comercial é um caso que a imaginação mercantil saberá explicar, mas que a imaginação não mercantil terá dificuldade em compreender. Talvez por falta de inteligência. Li que no leste da Alemanha, naquela zona que, em tempos, fora – por arbítrio da geopolítica do pós-guerra – independente da parte ocidental, havia um número considerável de nostálgicos dessa antiga Alemanha que, entretanto, se dissolvera no nevoeiro. Ora, os bancos, essas instituições onde o espírito mercantil cintila acima de quaisquer outras, não tiveram meias-medidas e toca de fazer uns cartões de crédito ou de débito – não me lembro bem – com a efígie de Karl Marx. O que terá sido legítimo, sendo Marx alemão, embora do Ocidente, e tendo escrito uma obra designada O Capital. O espírito mercantil tem por essência transformar tudo em mercadoria, isto é, em coisas que se vendem e compram. Por aqui, ninguém sente nostalgia de Marx que leve os bancos a colocarem-no nos cartões com que se pagam os presentes de Natal, mas também não sei que nostalgia haverá daquele nascimento de um menino em berço de palha. Aquilo que anima o espírito natalício é a obsessão de esquecer que, afinal, o menino não nasceu em berço de ouro, o único tipo de nascimento que estamos dispostos a comemorar. De resto, só falhados nascem num estábulo.
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