Saí do carro e caminhei na avenida. Senti o frio sem saber se era uma graça ou uma maldição. Temos uma necessidade invencível de classificar as coisas, os acontecimentos e as pessoas. A nossa faculdade de julgar nunca está de férias e só descansa enquanto dormimos, e, mesmo neste caso, não é certo, pois os sonhos podem ser momentos em que ela opera, muitas vezes de forma distorcida. A minha sorte – ou a da minha faculdade de julgar – é que raramente me lembro de sonhar. A maior parte das vezes, a nossa faculdade de julgar é determinante: parte de um princípio universal e determina um caso particular; parte de uma ideia de justiça e avalia se um certo comportamento é justo ou injusto. Noutros casos, ela é reflexionante: parte de casos particulares e tenta encontrar ou criar um princípio que dê sentido a esses casos. Por exemplo, na ausência de um conceito a priori de beleza, a faculdade de julgar parte de uma certa obra de arte e, através da reflexão, tenta reconhecer essa beleza. Era assim que, no século XVIII, pensava o senhor Immanuel Kant. Aproveito-o para lidar com a minha ignorância acerca de o frio sentido na avenida ser uma graça ou uma maldição. Também estas noções sofrem de uma deficiência de definição a priori. Tenho de partir da experiência e entregar-me a uma cadeia de reflexões. Talvez o faça, pois já não sinto frio, nem estou na rua. O pior é que já não tenho a experiência do frio sentido, mas apenas a sua memória. Este é um verdadeiro pensamento de sexta-feira, dia em que a utilidade cede o seu lugar às coisas inúteis. Eu já entrei nestas.
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