Estes dias finais de Outono lembram já os de Inverno, quando, de súbito, no meio das chuvas, irrompem dias de sol frios, com noites gélidas, mas iluminados por uma luz vibrante. Uma memória antiga atravessou-me a mente: aqueles velhos – cujo nome esqueci ou nunca soube – sentados no cruzeiro, cismando, sem trocar palavra, banhados na luz solar, vieram da minha infância até a estes dias em que já sou tão velho, ou quase, quanto eles o eram então. Aqueciam o corpo e a alma na cintilação dessa luz. Depois regressavam, devagar, em passo hesitante, apoiados em pobres bengalas, às suas casas, onde as mulheres, um pouco mais novas, os esperavam, não sei se com alegria ou tomadas pelo tédio. Já não estavam no Outono da vida, mas no Inverno. Naquele tempo, as estações da existência eram mais curtas e, apesar da lentidão dos dias, tudo se consumava rapidamente. Os anos eram bens escassos, mais escassos do que são hoje. O meu avô paterno, nascido em 1889, não teve direito a mais do que quarenta e três. Para ele, foi tudo rápido, demasiado rápido e, para mim – imagino que para todos os seus netos –, é uma sombra longínqua, misteriosa, mas que guardamos na memória, pois todos nós, os seres humanos, temos memórias do que não vivemos nem conhecemos. Não teve direito, na sua existência, nem ao Outono nem ao Inverno, atormentado por um coração falível que a medicina da altura não conseguiu reparar. Imagino que nunca se renderia ao Inverno da vida. Talvez por isso tenha tido de se render à precariedade do corpo. Agora, vou ver como a minha neta mais velha enfrenta o positivismo do Círculo de Viena e o falsificacionismo popperiano. Quando tiver a minha idade, que pensará ela de mim?
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