A ligeira indisposição que me acomete só em aparência foi causada por uma combinação de bolo rainha e de dois cookies de chocolate. Não se pense que a causa, por não ser material, esteja em mim, na minha alma inclinada à gula. O que aconteceu foi apenas uma ocasião para Deus manifestar o seu poder. Claro que não fui eu que imaginei semelhante explicação e muito menos seria possível imaginá-la à segunda-feira, dia em que não imagino seja o que for. Trata-se da opinião do célebre – nos dias de hoje, muito menos célebre – Nicolas Malebranche e do seu ocasionalismo. O filósofo francês do século XVII e início do XVIII defendia que as causas naturais – neste caso, as complexas transformações químicas promovidas em mim pelos bolos comidos em louvor da gula – não são causas reais, mas meras ocasiões para que Deus manifeste o seu poder causal, o único que existe. E aqui esse poder causal poderia ser pensado como um exercício punitivo de quem se deixa enredar nas malhas da tentação. Mesmo nas acções humanas, o verdadeiro poder causal é de Deus. Isto coloca um problema ao ocasionalismo de Malebranche, pois, se aceitarmos uma natureza, incluindo a humana, desprovida de autêntico poder causal, teremos de colocar na conta de Deus todo o mal moral, além do físico. Malebranche encontra uma escapatória. Deus é a causa dos movimentos do mundo, onde se incluem os dos homens, mas são estes que, tendo sido criados livres por Deus, são responsáveis pelas intenções que presidem aos actos que praticam, mas de que não são a sua causa real. Talvez a segunda-feira seja um dia confuso.
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