A sonoridade do castelhano é
muito desagradável, comentei. Na esplanada, um casal espanhol conversava. A
certa altura dei por mim a escutar não o que diziam, mas a música utilizada
para dizerem o que diziam. Ela era, apesar da idade, uma mulher muito elegante,
o mesmo, quanto à elegância, não se podia dizer dele. Pensei que ela devia usar
outra língua, o italiano, talvez o francês. Ficar-lhe-ia tão bem quanto aquilo
que levava vestido. Ele podia – melhor, devia – continuar a usar a algaraviada
dos nossos vizinhos, que, por vezes, parece uma selecção de grunhidos emitidos
por alguém indisposto. Estou a ser injusto. É possível que o português, aquele
que usamos na Europa, também não seja muito agradável para ouvidos alheios, embora
a variante do Brasil, com a sua musicalidade, diz-se que perto daquela que era
usada por cá no tempo de Camões, possa aproximar-se do agrado que italiano e
francês proporcionam ao ouvido incauto. Não era disto que queria escrever, mas
da morgada de Romariz, que conheci há pouco. Antes de se perguntar quem era a
morgada, mais vale saber como era ela. Era uma senhora de espavento,
avermelhada, com as frescuras untuosas e joviais dos quarenta anos sadios,
seios altos e aflantes, pulsos roliços e averdugados pela compressão das
pulseiras cravejadas de esmeraldas e rubis. Podemos assim imaginá-la,
talvez com uma certa inclinação lúbrica, na sua frescura untuosa, na
jovialidade que lhe cabia aos quarenta anos, mas quem era ela? A mulher do
comendador Francisco José Alvarães e, mais que qualquer outra coisa, personagem
criada por Camilo Castelo Branco. Imaginemo-la no teatro, ao lado do marido,
assistindo à representação de Santo António, o taumaturgo. O que podemos
ver? Ora, a morgada de Romariz, lagrimando com inteligência na prosa da
oratória, assim que algum personagem pegava de rimar, ria-se. Persuadira-se de
que a missão dos versos era como a das cócegas. E talvez a morgada tivesse
razão. Era uma morgada a que não faltava filosofia, mas essa é uma história que
não me cabe contar. Imagino que, apesar dos seios altos e aflantes, não seria
injusto que falasse castelhano, ao contrário da castelhana da esplanada. Este
mundo é pouco inclinado à perfeição.
A morgada, de compleição grosseira, também poderia ter um cockney accent, enquanto a mulher elegante poderia, em vez de em francês ou italiano, apetrechar as suas palavras com as asas da mais pura dicção lisboeta. E até já ouvi soar o castelhano a um mavioso canto de tenor.
ResponderEliminarÉ verdade, as possibilidades de ambas são mais amplas do que o texto deixa perceber, o que demonstra que apesar das diferenças têm ainda qualquer coisa em comum.
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