domingo, 20 de agosto de 2023

Exclusões e omissões

A Ípsilon e o Capa separaram-se, informaram-me. É pena, respondi, gostava dos três. Dos três? Sim, da Ípsilon, do Capa e do casal que ambos faziam. Eles é que, parece, deixaram de gostar do terceiro elemento, daquilo que os fazia um casal. Isto, porém, são suposições, acrescentei, para evitar distorções comunicacionais. Sabe-se lá as razões que os outros têm para os seus actos. Nem as nossas, quanto fará as alheias. Não sei bem a causa, mas lembrei-me de uma passagem do livro de contos Ficções, de Jorge Luís Borges, onde alguém estreita com outro alguém uma dessas amizades inglesas que começam por excluir as confidências e que muito em breve omitem o diálogo. Não sei se a citação é completamente fiel, mas presumo que sim. O que se pode discutir é se a exclusão das confidências e a omissão do diálogo são condições de possibilidade da amizade – pelo menos na modalidade inglesa – ou se são uma consequência dessa amizade. Nunca esqueci esta frase e sempre a achei uma ideia reguladora das relações humanas. Fundamentalmente, na parte que diz respeito à exclusão de confidências. Pergunto-me, agora, se esse ideal das relações humanas não poderia salvar o casamento da Ípsilon com o Capa. Talvez, especulo, por defeito de formação, se desde o início excluíssem confidências mútuas e em breve tivessem omitido o diálogo, o casamento fosse mais robusto e não tivesse naufragado. A maioria das confidências que dois seres, ligados pelo desvario de Eros, fazem entre si são inúteis, e aquelas que não são inúteis, o melhor é não as fazer. Que cada um guarde para si aquilo que tem de perturbante na vida. A omissão do diálogo, numa era em que toda a gente pretende expressar-se e comunicar, terá as suas vantagens. Não havendo diálogo – isto é, não havendo recurso ao logos a dois, ao esgrimir de razões – não se dizem coisas que depois abrem buracos no pano cru da vida comum. Eu sei que esta omissão é difícil, pois todos nós temos uma acentuada inclinação para a tagarelice, mas a troca de palavras não tem de ser um diálogo. Por outro lado, e esta é a minha tese para hoje, os seres humanos têm outros recursos para além de usar os órgãos que conduzem directamente à discussão e à dissensão. Um casamento não é um parlamento.

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