domingo, 27 de agosto de 2023

Um simulacro

Leio um poema de Rainer Maria Rilke. Corrijo, leio uma tradução de um poema de Rainer Maria Rilke. Desconfio de algumas palavras usadas pela tradutora. Procuro o original e encontro-o online. O alemão é-me incompreensível, mas recorro a traduções automáticas e confirmo que há palavras acrescentadas. Servem para compor a rima e, o pior de tudo, dar uma pretensa tonalidade poética à linguagem da tradução. É esta tentativa de simular uma poeticidade que constitui o núcleo central da traição que existe em toda a tradução de poesia. Poder-se-á pensar que só poetas deveriam traduzir poetas, mas mesmo isso é incapaz de assegurar a transposição de um poema de uma língua para outra. Um poema é um acontecimento irrepetível, um caso em que um certo som se combina com um certo sentido. Enquanto num texto em prosa é possível que a sonoridade não seja essencial, num poema ela é uma condição necessária. Ler um poema só é possível na língua original. Quando se lê uma tradução – e faço-o com frequência, pois são poucas as línguas em que posso ler o original – já se lê outra coisa, eventualmente, um poema, mas já não o mesmo, mas um sucedâneo ou, melhor, um simulacro do original.

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