sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Contra a abdução

Poderia recorrer à abdução, a um argumento a favor da melhor explicação. Contudo, acho a melhor explicação destituída de espírito. Oiço – e não estou com alucinações auditivas, embora não o possa provar – o ruído insuportável de um aspirador. Como poderia justificar a tese de que o aspirador é ruidoso? A melhor explicação seria que a mecânica do aspirador não é suficientemente sofisticada para o tornar silencioso. Isto, porém, é justificação que se dê? Claro que não. O aspirador é ruidoso por dois motivos. O primeiro é que faz parte activa e consciente de uma conspiração contra o meu estado de descanso contemplativo. Não existisse uma conspiração contra mim e o aspirador seria uma das máquinas mais silenciosas ao cimo deste pobre planeta. Uma segunda razão, talvez tão fundamentada quanto a primeira, diz-nos que caso o aspirador fosse silencioso, este narrador não teria o que escrever. Eu sei que os lógico-dependentes acharão as minhas razões estapafúrdias, pouco plausíveis, como eles logo afirmariam. Contrariam o natural bom-senso e o argumentário a favor da melhor explicação, uma estratégia lógica com a finalidade de fazer prevalecer o bom-senso sobre a falta de senso. Ora, o que é o mundo e a vida mundana senão falta de senso. A minha tese é que se tudo se regesse pelo bom-senso, o mundo não existiria, implodiria devido à pasmaceira universal instalada. Não há como uma citação apócrifa para demonstrar a minha razão. Apesar de não ter sido proferida por Tertuliano, apesar da absurda e contumaz insistência, a proposição Credo quia absurdum (Creio porque é absurdo) é um fundamento indestrutível da minha crença de que a falta de senso é superior ao bom-senso. Enquanto se mantiver a conspiração contra o meu estado de descanso contemplativo e eu não encontrar motivo para escrever, os aspiradores continuarão apostados – sim, eles têm vontade própria – em escolher das ondas sonoras aquelas mais desprezíveis e mais malévolas do que a Rainha da Noite. Por mim, tenho encontro marcado com a Rainha de Copas, que me convocou. Seria falta de senso não respeitar uma convocação de Sua Alteza.

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